
Jamie vive em uma grande cidade no centro-oeste. Ele é redator para uma empresa de publicidade e é bom nisso.
Ele também é bom em pensar nas razões pelas quais pode se considerar feliz com sua vida. Ele tem plano de saúde e agora uma poupança. Muitos de seus amigos não têm nenhum dos dois. Sua namorada é bonita. Eles nunca brigam. Seu chefe tem senso de humor, não faz microgerência e deixa ele sair mais cedo na maioria das sextas-feiras.
Na maioria destas sextas-feiras, incluindo esta, ao invés de pegar o trem de volta ao seu sobrado suburbano, ele vai a um bar na cidade para encontrar seus amigos. Tomará quatro cervejas. Seus amigos sempre ficam até mais tarde.
Linda, a namorada de Jamie, normalmente chega quando ele está na terceira cerveja. Ela cumprimenta a todos com abraços educados e a Jamie com um beijo. Ele pede sua última cerveja quando ela pede uma única para si. Eles pegam um táxi até sua casa, jantam juntos e assistem a um filme no Netflix. Quanto o filme acaba, iniciam outro e não terminam de assisti-lo. Eles transam, então ela vai lavar o rosto e escovar os dentes. Quando ela retorna, é ele quem vai.
Nunca houve um dia em que Jamie sentou e decidiu ser um redator e ir morar no centro-oeste. Um par de advogados da empresa de sua ex-namorada o levaram para sair uma noite, quando ele tinha acabado de ser dispensado de escrever para uma revista de tecnologia, pagaram-lhe mais de cem dólares em rodadas de bebidas e deram a ele o cartão de visitas de seu chefe atual. Foi uma ótima noite. Isto aconteceu há nove anos atrás.
Seus amigos são do seu antigo trabalho. Colarinhos brancos, artísticos e inteligentes. Se um dos cinco não comparece ao bar na sexta-feira, eles almoçarão juntos durante a semana.
Jamie não é infeliz. Ele está entediado, mas nem mesmo se dá conta disso. Conforme vai ficando mais velho, seu tédio começa a se transformar em medo. Ele não tem problemas de saúde, mas pensa neles o tempo todo. Câncer. Artrite. Alzheimer. Ele está com trinta e oito anos, em forma, não tem planos de ter filhos e, quando realmente pensa sobre o rumo de sua vida, não sabe ao certo o que fazer consigo mesmo, salvo às sextas-feiras.
Em dois meses, ele e Linda viajarão para Cuba por dez dias. Ele está ansioso por isso neste momento.
***
Há algumas semanas, eu pedi a todos os leitores que compartilhassem o maior problema (originalmente em inglês) de suas vidas na seção de comentários. Eu já fiz isso antes (em inglês) - perguntar sobre o que se passa com você - e, toda vez que eu faço isso, eu percebo duas coisas.
A primeira é que todos têm problemas consideráveis. Não apenas situações difíceis ocasionais, mas o tipo de problema que persiste por anos ou décadas. Do tipo que se torna um tema de vida, que parece ser parte de sua identidade. Ao que parece, é típico do ser humano o sentimento de que algo grande está faltando.
A outra coisa é que eles tendem a ser um dentre os mesmos poucos problemas: falta de conexão humana, falta de liberdade pessoal (devido a situações financeiras ou familiares), falta de confiança ou auto-estima, ou falta de auto-controle.
A impressão do dia-a-dia e a qualidade de cada uma de nossas vidas se apoia em apenas algumas grandes bases: onde moramos, o que fazemos da vida, o que fazemos com nós mesmos quando não estamos no trabalho e com quais pessoas passamos a maior parte do tempo.
Causar uma mudança significativa em apenas uma dessas áreas fará necessariamente uma mudança significativa na impressão e na qualidade da sua vida cotidiana. Simplesmente não há como permanecer igual.
Fique na mesma cidade, mas passe a sair com um público completamente diferente e sua vida mudará significativamente. Você mudará. Fique na mesma carreira, mas troque de cidade e sua vida também mudará enormemente.
Pode ficar melhor, ou pode ficar pior. Você não sabe até que a mudança ocorra. É incerteza o suficiente para que a maioria das pessoas não se preocupe com nisso.
Mas deveriam se preocupar, regularmente. A vida cotidiana tem mais tendência a ficar melhor do que pior, pois uma mudança deliberada lhe dá a chance de ver se a sua nova situação lhe agrada ou não, e lhe dá uma segunda visão da situação anterior. Se a nova situação lhe agrada, então você está mais próximo de encontrar o que é bom para você, o que é ótimo para o seu senso de bem-estar.
Se a nova situação não lhe agrada, então você tem mais perspectiva sobre o que é que você já faz que gosta tanto. Seus valores se tornam mais claros e você gravita em direção a eles mais fortemente. Se você sai do meio rural, vai para a cidade e odeia isso, então você definitivamente aprendeu mais sobre o que é que realmente lhe agrada tanto em estar no interior. Isto é progresso. Isto é chegar mais perto do que você quer (em inglês).
Convivendo com o lance de dados
Para Jamie, e para a maioria de nós, aquelas quatro grandes bases não foram decididas conscientemente. A carreira que você acabou seguindo depende sumariamente do que você viu como opções quando estava apenas começando a entrar no mercado de trabalho. Aquele foi um período de tempo muito curto, durante o qual você só estava ciente de um número limitado de opções. Você foi adiante com o aquilo que fazia sentido naquela época. O resultado - o que você faz hoje - é mais ou menos puro acaso.
Amigos também estão, em sua maioria, presentes em nossa vida por padrão. A maioria de nós encontrou algumas pessoas incríveis e inspiradoras apenas permitindo que o acaso as entregasse, mas assim que temos algumas amizades estáveis, nos tornamos complacentes e paramos de procurar ativamente por amigos que realmente correspondem aos nossos valores e interesses, se é que já tenhamos feito isso alguma vez.
O lugar onde você mora é algo ainda mais aleatório, mais difícil de mudar e pode ter o maior efeito de todas as bases, porque ele determina o restante. Você nasceu em um lugar. Se você se mudou, isso provavelmente ocorreu por questões de trabalho ou relacionamento. Uma minoria das pessoas se muda para uma cidade específica porque pensa que será mais feliz lá do que em qualquer outro lugar. Estas pessoas estão procurando o lugar ótimo para viver para seus valores, ou ao menos chegar próximo disso. Mas a maioria de nós se torna estabelecida demais em um lugar para considerar seriamente mudar-se assim que se chega nos 30.
Amigos, locais e carreira tendem a definir o outro: o que você faz com seu tempo. Seus hábitos e seus hobbies. Suas rotinas, suas atividades típicas de sábado à noite, seu guarda-roupas, seus objetivos e projetos pessoais são todos sugeridos (e limitados) pelo seus padrões nas outras categorias. Se você cresceu em Nebrasca, você provavelmente não surfa. Mas o surfe pode ser exatamente a coisa que realmente giraria sua manivela como nada mais o faria, se você for sortudo o suficiente para descobrir isso.
Grande parte de nossas vidas consiste de condições nas quais caímos. Gravitamos involuntariamente em direção ao que funciona a curto prazo, em termos de no que trabalhamos e com qual público nos relacionamos. Não há nada errado em viver de forma padrão, necessariamente, mas pense nisso: qual a possibilidade dos padrões entregues a você por acaso estarem de alguma forma próximos ao que você considera realmente ótimo?
Em outras palavras, nós raramente decidimos conscientemente como vamos viver nossas vidas. Nós simplesmente acabamos vivendo de uma determinada maneira. Nós herdamos nossas vidas do acaso.
Existe toda probabilidade de que o que você herdou não esteja de forma alguma próximo ao que é melhor para você. As chances são muito pequenas de que não exista uma vizinhança drasticamente melhor para você lá fora, um círculo de amizades mas coeso, uma linha de trabalho muito melhor e uma maneira muito mais recompensante de seguir com seu dia do que a forma como você tem feito isso. Seu nível de satisfação e sensação de paz com o mundo dependem do quão bem seus valores correspondem com a vida que você realmente vive. Não há razão para acreditar que eles se corresponderão bem por acidente.
O curso de vida mais natural consiste em fazer o que você está acostumado a fazer, viver onde você está acostumado a viver, procurar o que você está acostumado a procurar. Então tenha cuidado. Estou convencido de que todos os meus maiores problemas - e muitos dos problemas na seção de comentários do artigo Qual é o seu problema? (originalmente em inglês) - são causados por seguirmos os padrões, seja por medo, seja por esquecermos de fazer mudanças significativas neles.
Culturalmente, nós fazemos muita manutenção, racionalização, adiamento e esforço, e não nos dedicamos tanto a pensar no que de fato é o melhor para nós e no quão drásticas seriam as mudanças necessárias para chegarmos a isso.
Então o que isso significa? Significa que, se você é uma pessoa normal, pode esperar que muitas das categorias da sua vida sejam definidas de formas altamente ineficientes, por padrão. Certas áreas da sua vida podem estar totalmente erradas para você e você não tem ideia do quão bom poderia ser do outro lado da cerca. Também significa que, onde quer que você reconheça uma fonte persistente de tristeza na sua vida, há provavelmente uma forma diferente de configurar sua vida que pode eliminá-la ou reduzi-la enormemente. Pode ser uma grande mudança, como livrar-se de seu cônjuge, ou pode ser apenas mudar-se para um bairro diferente na mesma cidade.
Grandes mudanças são intimidadoras, mas pense nisso - muitas vezes quando você ouve pessoas falarem sobre grandes mudanças nas suas vidas, como mudar de cidade ou carreira, um ano depois essas pessoas dizem que a mudança os colocou em um lugar muito melhor. Elas lhe dizem que não sabem como viviam antes.
Este é um sentimento que vale a pena procurar. Este sentimento específico - que surge na sequência de uma grande mudança - de se perguntar como era possível que você pensasse que já havia se dado bem antes.
As notas finais, caso eu não tenha sido claro:
É típico do ser humano sentir que algo enorme está faltando ou instável.
É comum que os aspectos mais importantes de uma vida humana (carreira, amigos, hábitos e moradia) sejam decididos ao acaso, e não de forma consciente.
O sentimento de que algo grande esteja faltando se deve provável e geralmente a um sério descompasso entre a sua situação atual e a situação ideal para você em um destes aspectos.
Causar conscientemente mudanças nos aspectos de sua vida que você tem aceitado por padrão pode resultar em mudanças dramáticas e imediatas na qualidade de vida.
Poucas pessoas fazem isso. Poucas pessoas fazem uma jornada deliberada em busca da sua cidade perfeita ou bairro perfeito, em busca de seus semelhantes de verdade. A maioria de nós vive setenta ou oitenta anos defendendo o que nos foi dado, porque achamos que isto é o que somos.
Em qualquer momento, a proposta de uma grande mudança tenderá a parecer fora de questão. Isto porque você acredita que você é o que você tem feito o tempo todo. Do outro lado de uma grande mudança, a ideia de continuar as coisas da forma que eram parecerá absurda.
Mas identidade é fluida. Você tem se tornado uma pessoa diferente o tempo todo, e após fazer uma mudança dramática, você pode descobrir que é mais você mesmo do que jamais foi antes.
***
Fotos por Fabio Bruna
Esta é uma tradução livre do artigo de David Cain, no Raptitude, realizada por Alexandre Heitor Schmidt.
Parabéns Alexandre pela excelente iniciativa de traduzir artigos do Raptitude! Obrigado!
ResponderExcluirObrigado, Yuri! Como é um trabalho voluntário, este tipo de comentário serve de incentivo. Aceito sugestões de mais textos dele para tradução. Claro que todos são ótimos, mas infelizmente minha carência de tempo livre me impede de traduzir o acervo todo...
ResponderExcluirValeu, cara
ResponderExcluir