segunda-feira, 23 de julho de 2012

O que você quer nunca é algo

Imagem para O que você quer nunca é uma coisa
Ele definitivamente achou que não houvesse ninguém por ali, mas nós quatro pudemos ver seu autoconsciente de trás do alojamento, desde antes de ele ter estacionado. Ele saltou, abriu o porta-malas e deixou o motor ligado.
Ele tinha em torno de um metro e meio de altura. Do nosso ponto de vista, parecia um sweater com barba. Empunhando uma pá de plástico que pegou em algum lugar, começou a atirar para dentro do seu porta-malas a terra fresca dos vasos de plantas do tamanho de banheiras que estavam na avenida.
Levei apenas um momento para me dar conta de que o que estávamos assistindo era o desenrolar de um roubo premeditado de terra de qualidade. Os vasos haviam sido preenchidos pelo cara da manutenção do centro comunitário um pouco mais cedo no mesmo dia. Ele havia esperado até que ficasse escuro.
"Quem rouba terra?", perguntou meu amigo, em voz alta e para ninguém em específico.
O homem barbudo pausou, então, com uma visível ausência de pressa, colocou a pá no porta-malas e lentamente foi embora em seu carro, como se nada tivesse acontecido, apesar do porta-malas ainda estar aberto. Nós assistimos enquanto ele se afastava e seguia até o fim da quadra, porta-malas escancarado. Ele efetuou uma parada total no sinal de pare - algo raro de se ver em qualquer circunstância -, fazendo uso total do pisca e desaparecendo em seguida, enquanto nós ríamos.
Por um momento me bateu uma estranha sensação de culpa, porque nós estragamos seu plano. Mesmo que tenha sido um plano estúpido e egoísta, percebi que ele estava apenas tentando melhorar sua posição na vida de alguma forma ínfima, e esta foi a saída que encontrou. Dirigir para longe como um tolo com o porta-malas aberto enquanto nós ríamos dele foi um subproduto de um fiozinho de seu trabalho de vida cotidiano - sua busca pessoal por felicidade.
Podemos dizer que a busca pela felicidade é, sem dúvida, o que direciona tudo que fazemos, independentemente do quão estúpidas sejam essas coisas. Este é um fato peculiar da vida para nossa espécie: bem-estar é tudo o que queremos e precisamos, porém isso é muito delicado e inconstante e, na média, somos embaraçosamente ruins nessa busca.
À primeira vista, pode ser difícil acreditar que pessoas possam fazer coisas terríveis e autodestrutivas em nome da felicidade. Quase tudo que fazemos pode ser atribuído ao anseio pelos sentimentos de segurança, poder ou satisfação, os quais nossos corpos e mentes nos dizem ser os ingredientes da felicidade.
Estes três motivos surgem das partes mais elementares e antigas de nossos cérebros - eles são o que promete à criatura sua melhor chance de sobrevivência e prosperidade. A lógica não tem como competir com estas diretivas, não sem algum trabalho interno minucioso - autoexame e prática, os quais são ambos desconcertantemente subestimados como ferramentas para o cultivo de uma vida mais rica.
E então as pessoas fazem as coisas mais estúpidas na busca pela felicidade. Compram casas que não podem pagar. Envolvem-se em relações perigosas. Gastam milhares no Starbucks. Acumulam tanta velharia inútil em suas garagens que nem conseguem colocar mais seus carros dentro delas. Roubam lojas de conveniência. Explodem sinagogas. Fazem faculdade de Direito sem que realmente desejem isso. Bebem e dirigem. Pedem o mesmo item do menu todas as vezes. Brigam com pessoas nos bares. Vão ao Dr. Phil. Permitem que talentos estagnem e se esvaiam. Acumulam dívidas intransponíveis. Vivem exatamente como seus pais viveram e envergonham os outros por serem diferentes.
É tão bizarro que todos nós tenhamos este interesse único em comum, encontrar o bem-estar, e que gastemos tão pouco tempo realmente falando sobre ele. Você não acha que nossas escolas ensinariam isso.
Não fazemos isso, e provavelmente porque achamos que já sabemos como encontrar a felicidade, o que normalmente envolve a aquisição de algo que ainda não temos. Mais dinheiro, mais segurança, mais afeto. Em outras palavras, pensamos que felicidade se cria através de algum tipo de modificação no mundo material. Passar a possuir algo, eliminar uma ameaça, exercer controle sobre algo.
O erro que cometemos é que confundimos o que queremos com símbolos do que queremos. Nós seres humanos parecemos ser o primeiro animal apto a abstrair, e fazemos muito uso de símbolos. Certos eventos surgem para prometer sentimentos de liberdade, como quando você deixa o escritório numa sexta-feira, ou quando outra pessoa diz que vai livrá-lo de um projeto. Alguns eventos representam sentimentos de valor, como quando todo mundo ri da sua piada, ou quando sua paixão por alguém é correspondida.
Nós temos uma forma de avaliar tudo o que acontece e cada posse que adquirimos, em termos de quais sentimentos acreditamos que sejam prometidos por determinada coisa ou evento. O evento material e os sentimentos que este evento representa não são a mesma coisa. Mas nos esquecemos disso o tempo todo.
Tudo que procuramos e tudo que evitamos são sentimentos. Sentimentos governam o mundo. Eles constituem o único produto útil de todas as transações materiais entre humanos e seu meio ambiente. Exatamente da mesma forma que seu corpo não pode usar o alimento que ingere como energia até que ele seja convertido em glicose, não podemos de fato fazer uso destas coisas que buscamos até que elas nos proporcionem certos sentimentos. Sentimentos são a moeda da experiência humana. Eles são o único incentivo real.
Eu busco dinheiro porque parte de mim sabe que com ele eu posso comprar coisas e fazer coisas que me proporcionarão sentimentos de alegria, segurança, admiração ou liberdade. Eu quero estes sentimentos, então eu frequentemente penso que de fato é o dinheiro que eu quero.
Eu evito engarrafamentos porque uma parte de mim sabe que eles me proporcionarão sentimentos de frustração. Na verdade o que eu quero evitar são os sentimentos de frustração, mas frequentemente acho que uma grande quantidade de carros se movendo lentamente é por si só algo terrível.
Se eu não estou consciente de qual coisa material está simbolizando qual sentimento em minha mente, então eu corro o risco de confundir a coisa material com o que eu realmente quero, ou com o que quero evitar.
O acumulador disfuncional que você vê na televisão perdeu a noção do que realmente quer. Ele está tentando acumular sentimentos de segurança a partir da culpa que sente quando descarta coisas. Suas coisas simbolizam aquele sentimento de segurança para ele, então ele dorme em uma almofada depois de retirar as revistas de cima dela a cada noite.
O terrorista que explode a sinagoga está tentando e explodir seus sentimentos de frustração e impotência, decorrentes da vida em um território ocupado. Ele acredita que encontrará a purificação que precisa fazendo isso.
O marido sobrecarregado que compra muitas casas pensa que está de fato comprando alívio da vergonha que sente por ter crescido pobre. Ele não vai obter tal alívio, e ele pagará caro por sua tentativa. Ele pensa que a casa é o que ele quer.
Todas se tratam de decisões terríveis, tomadas exclusivamente na busca da felicidade.
Todas histórias horríveis no seu jornal são de pessoas em busca de um sentimento que pensaram que as colocaria mais perto da felicidade - ou, mais frequentemente, as colocaria mais distante da felicidade. Elas não se dão conta, no entanto, de que estão em busca de sentimentos. Elas acreditam que uma modificação particular no mundo material é o que elas querem. Um carro maior. Uma liquidação de seguro de vida. Um diploma em Direito. Uma amante morta. Um porta-malas cheio de terra.
Por que somos tão propensos a este engano? Porque nos foi dada uma poderosa ferramenta que ainda não sabemos usar. Nós somos milhões de anos de cérebros de répteis empacotados em uma fina camada de abstração e intuição e razão. É uma configuração poderosa, mas ainda estamos desenvolvendo as técnicas. É por isso que nunca faltaram filósofos tentando desmembrar isso tudo, argumentando sobre a melhor forma de viver.
Algumas formas são melhores do que outras, definitivamente. Não podemos fazer outra coisa a não ser tropeçar em algumas delas por aí afora no mundo, mesmo que não tenhamos intenção nenhuma disso. Mas nesse meio tempo, você estará fazendo melhor do que 90% do todo se habituar-se a pensar sobre quais sentimentos está realmente buscando quando sente que quer algo. O que você quer nunca é algo.
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Foto de tsuacctnt.
Esta é uma tradução livre do artigo de David Cain, no Raptitude, realizada por Alexandre Heitor Schmidt.

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