terça-feira, 31 de julho de 2012

A pessoa que você era continua lhe dizendo o que fazer

Post image for The person you used to be still tells you what to do
Assim que eu e meus amigos atingimos a idade exigida para frequentar bares, vi que nos dividimos em duas facções. Haviam os que iam a clubes para dançar e os que iam a um bar para sentar e beber e conversar em voz alta.
Eu odiava os clubes. A música era terrível, barulho de batida eletrônica. Acho que fiz três tentativas de me divertir desta forma, e então eu cometi um erro de longo prazo em termos de julgamento. Eu tirei sobre mim mesmo uma conclusão que eu não tinha qualificação para tirar: dançar não é para mim.
Como se vê, havia necessidade de muito mais investigação. Mas eu nem me preocupei. Eu achei que sabia. Eu suportei três noites maçantes bebendo chopp sob luzes azuis enlouquecidas, fingindo que estava feliz por ter saído de casa, mas silenciosamente me perguntando como alguém podia se permitir balançar seu corpo em sincronia com remixes acelerados de Rick Martin. Então, sem ao menos perceber, eu decidi que não sou do tipo que dança. Eu amo música, mas não o tipo de música que as pessoas dançam.
Uma generalização maluca como esta, se diz respeito a quem você é e sobre o que é ou não o seu tipo, pode afetá-lo por um longo período da sua vida. Pelos doze anos seguintes, todos os convites para sair para dançar foram negados por padrão.
Isto é tudo que você precisa para manter algo fora de sua vida: um único instante em que você diz "Isto não é pra mim." O problema é que não pensamos muito sobre o que exatamente constitui "isto" e portanto estamos sujeitos a descartar, apenas por associação, uma vasta gama de experiências que talvez sejam nosso tipo. Perdemos controle sobre nossos símbolos (em inglês).
Mais cedo, este ano, se quebrou - durante uma viagem, o que parece ser sempre o que eu estou fazendo nos momentos em que me dou conta de um conceito errôneo sobre mim mesmo que já durava muito tempo e acaba de morrer. Eu me encontrava sentado de pernas cruzadas no chão da casa de um amigo, falando sobre música com uma mulher que acabara de conhecer. Gostei dela de imediato e toda vez que ela mencionava algo que eu também gostava, me sentia mais próximo dela.
Quando ela disse que gostava de música dance eletrônica, senti uma pontada de decepção - um pouco menos de conexão, momentaneamente. De alguma forma, aproximadamente meia vida depois de eu ter passado os olhos pela primeira vez por uma sala cheia de pessoas, no final do anos noventa, me dei conta de que parte do que eu havia visto e odiado era algo que a atraía.
E isto é porque eu já sabia que aquilo não era pra mim. Eu sei disso há anos. Eu não danço. Eu acho que disse isso.
No entanto eu já sabia que o gosto dela era excelente, então eu explorei a música sobre a qual ela estava falando, e é claro que não tinha nada a ver como o choque eletro-pop que eu odiava quando adolescente. Era maravilhoso. Despretencioso e refinado.
E hoje eu danço. Eu amo dançar. Eu devia ter feito isso o tempo todo.
Até aquele dia - e felizmente, nunca depois - a imagem que eu tinha em minha mente sobre sair para dançar era a mesma que eu rejeitei doze anos antes: adolescentes bêbados dançando hinos pop insípidos em um terrível clube suburbano.
O que me surpreendeu foi o quão relevante ainda parecia minha opinião sobre dance music, até aquele momento. Parecia verdadeira, mas era baseada em dados antigos e inadequados, como provavelmente é grande parte de nossas opiniões. Ainda assim, tendemos a ver nossas próprias crenças como se fossem conhecimento (em inglês) real. Eu não havia me dado conta do quão rabugenta e obsoleta era minha impressão sobre "música dance". Na realidade, desde a última vez que pensei nisso realmente, o sol nasceu e se pôs quatro mil vezes, guerras foram travadas, fronteiras foram redesenhadas, grandes amores tiveram início e acabaram, gerações pereceram. Crianças que tinham cinco anos de idade na época, hoje dirigem carros e, de alguma forma, eu ainda sinto que tinha uma ideia muito clara do que eu estava perdendo.
Não sei afirmar com certeza o quanto me custou ter dispensado a dança desde cedo. Certamente centenas de noitadas maravilhoas. Certamente dúzias de possíveis amizades e conexões. Certamente isso dificultou meu progresso em relação a timidez e auto-consciência.
Naturalmente minha personalidade foi gradualmente se adequando às características da facção dos bares e se distanciando das da facção dos clubes - em direção a vibrações mais passivas, onde você sentava e falava com as mesmas poucas pessoas, e ficava distante das dinâmicas sociais mais ativas e íntimas. Hoje eu sei que a primeira é menos eu do que a segunda, dado o ponto de vista superior em que me encontro, aos 31 anos. Tudo que sei é que com certeza grande parte do que eu amo foi perdido.
Então essencialmente, aos trinta e um anos de idade, uma grande área da minha vida - como eu saio, como me divirto - ainda era decidida por um juíz de dezenove anos. Eu vejo agora que trabalho ruim este cara de dezenove anos vinha fazendo. Ele não me conhece. Ele não sabe os meus valores, o que realmente gira minha manivela, do que eu devo ter medo ou o que devo procurar. Meu eu de 29 anos não faria bem o papel de me dizer o que fazer. Eu sou uma pessoa diferente dele.
Isto acontece muito. Muito do que você faz hoje (ou não faz) foi decidido pela pessoa que você era há anos atrás, uma pessoa com menos experiência de vida e menos compreensão de seus valores. Sua identidade - no sentido de quem você é para você mesmo e quem você é para os outros - muda ao longo de sua vida, e a pessoa mais qualificada para decidir como gastar seu tempo será sempre quem você é hoje.
Mas frequentemente não funcionamos assim. Funcionamos a partir de conclusões tiradas anos atrás, frequentemente sem a menor ideia de quando as tiramos, ou por que. A maioria de nossas impressões de posicionamento são provavelmente baseadas em uma única experiência - um instante de desprazer ou decepção que o colocou distante de uma categoria inteira de atividades recreacionais, estilos de vida e empreendimentos criativos, para sempre.
Uma conclusão não é o ponto no qual você descobre a verdade, é apenas o ponto no qual a exploração para. Fazemos isso rápida e inconscientemente e os efeitos são muito duradouros. Rapidamente você passa a ter uma crença, um tipo de "fato" substituto em sua cabeça, remanescente de uma época em que você não conhecia nada melhor.
Muitas das coisas que parecem não ser para você, de fato são para você. A pessoa que você era ainda quer que você seja a pessoa que você era.
Crenças são colecionadas como revistas antigas, exceto pelo fato de que, ainda que comandem nosso comportamento, não as vemos realmente, então não pensamos em limpá-las ou selecioná-las. Você pode achar familiar a noção de desafiar suas crenças, mas como de fato faz isso na vida real? Você se senta com uma enorme lista e pensa sobre cada item novamente?
Isso é muito abstrato e muito entediante e, se você já tentou, sabe que não vai chegar a lugar nenhum. Em tempo real, na vida momento a momento, selecionar crenças sobre si mesmo resulta simplesmente em fazer conscientemente coisas que parecem não se encaixar naturalmente no seu perfil, apenas para ver o que acontece. Se você não está fazendo isso regularmente - coisas que parecem não ser do seu feitio - você está definitivamente perdendo muito do que está perto de ser perfeito para você.
Deixe frases como "não é meu tipo" ou "não é pra mim" se tornarem bandeiras vermelhas para você, onde quer que você se ouça pronunciando-as. Qual a idade da pessoa que decidiu isso? Foi mesmo uma decisão, ou apenas uma reação emocional? Quanto realmente você sabe sobre isso?
Pergunte, ou então saiba que seu estilo de vida ainda continua sendo dirigido por uma versão mais jovem e menos experiente de alguém que, francamente, não conhece nada a seu respeito.
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Foto de fabbio
Esta é uma tradução livre do artigo de David Cain, no Raptitude, realizada por Alexandre Heitor Schmidt.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

O que você quer nunca é algo

Imagem para O que você quer nunca é uma coisa
Ele definitivamente achou que não houvesse ninguém por ali, mas nós quatro pudemos ver seu autoconsciente de trás do alojamento, desde antes de ele ter estacionado. Ele saltou, abriu o porta-malas e deixou o motor ligado.
Ele tinha em torno de um metro e meio de altura. Do nosso ponto de vista, parecia um sweater com barba. Empunhando uma pá de plástico que pegou em algum lugar, começou a atirar para dentro do seu porta-malas a terra fresca dos vasos de plantas do tamanho de banheiras que estavam na avenida.
Levei apenas um momento para me dar conta de que o que estávamos assistindo era o desenrolar de um roubo premeditado de terra de qualidade. Os vasos haviam sido preenchidos pelo cara da manutenção do centro comunitário um pouco mais cedo no mesmo dia. Ele havia esperado até que ficasse escuro.
"Quem rouba terra?", perguntou meu amigo, em voz alta e para ninguém em específico.
O homem barbudo pausou, então, com uma visível ausência de pressa, colocou a pá no porta-malas e lentamente foi embora em seu carro, como se nada tivesse acontecido, apesar do porta-malas ainda estar aberto. Nós assistimos enquanto ele se afastava e seguia até o fim da quadra, porta-malas escancarado. Ele efetuou uma parada total no sinal de pare - algo raro de se ver em qualquer circunstância -, fazendo uso total do pisca e desaparecendo em seguida, enquanto nós ríamos.
Por um momento me bateu uma estranha sensação de culpa, porque nós estragamos seu plano. Mesmo que tenha sido um plano estúpido e egoísta, percebi que ele estava apenas tentando melhorar sua posição na vida de alguma forma ínfima, e esta foi a saída que encontrou. Dirigir para longe como um tolo com o porta-malas aberto enquanto nós ríamos dele foi um subproduto de um fiozinho de seu trabalho de vida cotidiano - sua busca pessoal por felicidade.
Podemos dizer que a busca pela felicidade é, sem dúvida, o que direciona tudo que fazemos, independentemente do quão estúpidas sejam essas coisas. Este é um fato peculiar da vida para nossa espécie: bem-estar é tudo o que queremos e precisamos, porém isso é muito delicado e inconstante e, na média, somos embaraçosamente ruins nessa busca.
À primeira vista, pode ser difícil acreditar que pessoas possam fazer coisas terríveis e autodestrutivas em nome da felicidade. Quase tudo que fazemos pode ser atribuído ao anseio pelos sentimentos de segurança, poder ou satisfação, os quais nossos corpos e mentes nos dizem ser os ingredientes da felicidade.
Estes três motivos surgem das partes mais elementares e antigas de nossos cérebros - eles são o que promete à criatura sua melhor chance de sobrevivência e prosperidade. A lógica não tem como competir com estas diretivas, não sem algum trabalho interno minucioso - autoexame e prática, os quais são ambos desconcertantemente subestimados como ferramentas para o cultivo de uma vida mais rica.
E então as pessoas fazem as coisas mais estúpidas na busca pela felicidade. Compram casas que não podem pagar. Envolvem-se em relações perigosas. Gastam milhares no Starbucks. Acumulam tanta velharia inútil em suas garagens que nem conseguem colocar mais seus carros dentro delas. Roubam lojas de conveniência. Explodem sinagogas. Fazem faculdade de Direito sem que realmente desejem isso. Bebem e dirigem. Pedem o mesmo item do menu todas as vezes. Brigam com pessoas nos bares. Vão ao Dr. Phil. Permitem que talentos estagnem e se esvaiam. Acumulam dívidas intransponíveis. Vivem exatamente como seus pais viveram e envergonham os outros por serem diferentes.
É tão bizarro que todos nós tenhamos este interesse único em comum, encontrar o bem-estar, e que gastemos tão pouco tempo realmente falando sobre ele. Você não acha que nossas escolas ensinariam isso.
Não fazemos isso, e provavelmente porque achamos que já sabemos como encontrar a felicidade, o que normalmente envolve a aquisição de algo que ainda não temos. Mais dinheiro, mais segurança, mais afeto. Em outras palavras, pensamos que felicidade se cria através de algum tipo de modificação no mundo material. Passar a possuir algo, eliminar uma ameaça, exercer controle sobre algo.
O erro que cometemos é que confundimos o que queremos com símbolos do que queremos. Nós seres humanos parecemos ser o primeiro animal apto a abstrair, e fazemos muito uso de símbolos. Certos eventos surgem para prometer sentimentos de liberdade, como quando você deixa o escritório numa sexta-feira, ou quando outra pessoa diz que vai livrá-lo de um projeto. Alguns eventos representam sentimentos de valor, como quando todo mundo ri da sua piada, ou quando sua paixão por alguém é correspondida.
Nós temos uma forma de avaliar tudo o que acontece e cada posse que adquirimos, em termos de quais sentimentos acreditamos que sejam prometidos por determinada coisa ou evento. O evento material e os sentimentos que este evento representa não são a mesma coisa. Mas nos esquecemos disso o tempo todo.
Tudo que procuramos e tudo que evitamos são sentimentos. Sentimentos governam o mundo. Eles constituem o único produto útil de todas as transações materiais entre humanos e seu meio ambiente. Exatamente da mesma forma que seu corpo não pode usar o alimento que ingere como energia até que ele seja convertido em glicose, não podemos de fato fazer uso destas coisas que buscamos até que elas nos proporcionem certos sentimentos. Sentimentos são a moeda da experiência humana. Eles são o único incentivo real.
Eu busco dinheiro porque parte de mim sabe que com ele eu posso comprar coisas e fazer coisas que me proporcionarão sentimentos de alegria, segurança, admiração ou liberdade. Eu quero estes sentimentos, então eu frequentemente penso que de fato é o dinheiro que eu quero.
Eu evito engarrafamentos porque uma parte de mim sabe que eles me proporcionarão sentimentos de frustração. Na verdade o que eu quero evitar são os sentimentos de frustração, mas frequentemente acho que uma grande quantidade de carros se movendo lentamente é por si só algo terrível.
Se eu não estou consciente de qual coisa material está simbolizando qual sentimento em minha mente, então eu corro o risco de confundir a coisa material com o que eu realmente quero, ou com o que quero evitar.
O acumulador disfuncional que você vê na televisão perdeu a noção do que realmente quer. Ele está tentando acumular sentimentos de segurança a partir da culpa que sente quando descarta coisas. Suas coisas simbolizam aquele sentimento de segurança para ele, então ele dorme em uma almofada depois de retirar as revistas de cima dela a cada noite.
O terrorista que explode a sinagoga está tentando e explodir seus sentimentos de frustração e impotência, decorrentes da vida em um território ocupado. Ele acredita que encontrará a purificação que precisa fazendo isso.
O marido sobrecarregado que compra muitas casas pensa que está de fato comprando alívio da vergonha que sente por ter crescido pobre. Ele não vai obter tal alívio, e ele pagará caro por sua tentativa. Ele pensa que a casa é o que ele quer.
Todas se tratam de decisões terríveis, tomadas exclusivamente na busca da felicidade.
Todas histórias horríveis no seu jornal são de pessoas em busca de um sentimento que pensaram que as colocaria mais perto da felicidade - ou, mais frequentemente, as colocaria mais distante da felicidade. Elas não se dão conta, no entanto, de que estão em busca de sentimentos. Elas acreditam que uma modificação particular no mundo material é o que elas querem. Um carro maior. Uma liquidação de seguro de vida. Um diploma em Direito. Uma amante morta. Um porta-malas cheio de terra.
Por que somos tão propensos a este engano? Porque nos foi dada uma poderosa ferramenta que ainda não sabemos usar. Nós somos milhões de anos de cérebros de répteis empacotados em uma fina camada de abstração e intuição e razão. É uma configuração poderosa, mas ainda estamos desenvolvendo as técnicas. É por isso que nunca faltaram filósofos tentando desmembrar isso tudo, argumentando sobre a melhor forma de viver.
Algumas formas são melhores do que outras, definitivamente. Não podemos fazer outra coisa a não ser tropeçar em algumas delas por aí afora no mundo, mesmo que não tenhamos intenção nenhuma disso. Mas nesse meio tempo, você estará fazendo melhor do que 90% do todo se habituar-se a pensar sobre quais sentimentos está realmente buscando quando sente que quer algo. O que você quer nunca é algo.
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Foto de tsuacctnt.
Esta é uma tradução livre do artigo de David Cain, no Raptitude, realizada por Alexandre Heitor Schmidt.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Amanhã não é um dia adequado para fazer as coisas


Durante anos eu tenho tentado escrever a maior parte dos meus textos amanhã. Isso nunca funcionou.
Eu não consigo pensar em uma única vez em que eu tenha conseguido escrever meus textos em qualquer outro momento que não hoje.
Historicamente, eu tenho evitado fazê-lo hoje (de todos os dias) porque tenho medo de certos momentos que só podem ocorrer quando eu escrevo hoje. Posso estar na metade de um artigo e me dar conta de que ele não está indo a lugar nenhum. Então, ou o descarto para começar novamente, ou uma tento massageá-lo para transformá-lo em algo que eu não odeie. Este é sempre um momento doloroso e nunca quero que ocorra hoje.
Às vezes o que ocorre é uma versão ainda mais dolorosa deste momento. Eu posso achar que não apenas o artigo atual está uma porcaria, mas a maioria deles está. Não penso assim frequentemente, mas, quando acontece, dói.
Tais momentos não são assustadores de forma alguma quando eu sei que não podem ocorrer hoje. Quando eles são problemas de amanhã, eles se tornam notavelmente fáceis de lidar.
Então minha estratégia, na maioria das vezes, tem sido escrever amanhã. Normalmente eu escrevo hoje apenas quando eu tenho mesmo que fazer isso.
Em algum momento de Sábado de manhã, eu parei de querer escrever amanhã. De agora em diante, só quero escrever hoje. Mentalmente, é um lugar bem diferente do que eu estou acostumado - muito mais otimista, muito mais inspirador - e eu acabei nele após finalmente me deparar com um fato pesado e implacável: Eu não consigo escrever amanhã.
É uma impossibilidade mecânica. Não há nada que você consiga fazer amanhã. Eu jamais fiz alguma coisa amanhã e nem você fez.
Se fazer uma coisa hoje pode causar dor, então ou entregue-se a esta dor ou decida que você definitivamente não está preparado para fazê-la.
Talvez você não escreva, mas eu apostaria dinheiro como existe algo importante que você está sempre tentando fazer amanhã. Boa sorte. Amanhã não é um dia adequado para fazer as coisas.
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Esta é uma tradução livre do artigo de David Cain, no Raptitude, realizada por Alexandre Heitor Schmidt.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

A maioria das vidas é vivida de forma padrão


Post image for Most lives are lived by default
Jamie vive em uma grande cidade no centro-oeste. Ele é redator para uma empresa de publicidade e é bom nisso.
Ele também é bom em pensar nas razões pelas quais pode se considerar feliz com sua vida. Ele tem plano de saúde e agora uma poupança. Muitos de seus amigos não têm nenhum dos dois. Sua namorada é bonita. Eles nunca brigam. Seu chefe tem senso de humor, não faz microgerência e deixa ele sair mais cedo na maioria das sextas-feiras.
Na maioria destas sextas-feiras, incluindo esta, ao invés de pegar o trem de volta ao seu sobrado suburbano, ele vai a um bar na cidade para encontrar seus amigos. Tomará quatro cervejas. Seus amigos sempre ficam até mais tarde.
Linda, a namorada de Jamie, normalmente chega quando ele está na terceira cerveja. Ela cumprimenta a todos com abraços educados e a Jamie com um beijo. Ele pede sua última cerveja quando ela pede uma única para si. Eles pegam um táxi até sua casa, jantam juntos e assistem a um filme no Netflix. Quanto o filme acaba, iniciam outro e não terminam de assisti-lo. Eles transam, então ela vai lavar o rosto e escovar os dentes. Quando ela retorna, é ele quem vai.
Nunca houve um dia em que Jamie sentou e decidiu ser um redator e ir morar no centro-oeste. Um par de advogados da empresa de sua ex-namorada o levaram para sair uma noite, quando ele tinha acabado de ser dispensado de escrever para uma revista de tecnologia, pagaram-lhe mais de cem dólares em rodadas de bebidas e deram a ele o cartão de visitas de seu chefe atual. Foi uma ótima noite. Isto aconteceu há nove anos atrás.
Seus amigos são do seu antigo trabalho. Colarinhos brancos, artísticos e inteligentes. Se um dos cinco não comparece ao bar na sexta-feira, eles almoçarão juntos durante a semana.
Jamie não é infeliz. Ele está entediado, mas nem mesmo se dá conta disso. Conforme vai ficando mais velho, seu tédio começa a se transformar em medo. Ele não tem problemas de saúde, mas pensa neles o tempo todo. Câncer. Artrite. Alzheimer. Ele está com trinta e oito anos, em forma, não tem planos de ter filhos e, quando realmente pensa sobre o rumo de sua vida, não sabe ao certo o que fazer consigo mesmo, salvo às sextas-feiras.
Em dois meses, ele e Linda viajarão para Cuba por dez dias. Ele está ansioso por isso neste momento.
***
Há algumas semanas, eu pedi a todos os leitores que compartilhassem o maior problema (originalmente em inglês) de suas vidas na seção de comentários. Eu já fiz isso antes (em inglês) - perguntar sobre o que se passa com você - e, toda vez que eu faço isso, eu percebo duas coisas.
A primeira é que todos têm problemas consideráveis. Não apenas situações difíceis ocasionais, mas o tipo de problema que persiste por anos ou décadas. Do tipo que se torna um tema de vida, que parece ser parte de sua identidade. Ao que parece, é típico do ser humano o sentimento de que algo grande está faltando.
A outra coisa é que eles tendem a ser um dentre os mesmos poucos problemas: falta de conexão humana, falta de liberdade pessoal (devido a situações financeiras ou familiares), falta de confiança ou auto-estima, ou falta de auto-controle.
A impressão do dia-a-dia e a qualidade de cada uma de nossas vidas se apoia em apenas algumas grandes bases: onde moramos, o que fazemos da vida, o que fazemos com nós mesmos quando não estamos no trabalho e com quais pessoas passamos a maior parte do tempo.
Causar uma mudança significativa em apenas uma dessas áreas fará necessariamente uma mudança significativa na impressão e na qualidade da sua vida cotidiana. Simplesmente não há como permanecer igual.
Fique na mesma cidade, mas passe a sair com um público completamente diferente e sua vida mudará significativamente. Você mudará. Fique na mesma carreira, mas troque de cidade e sua vida também mudará enormemente.
Pode ficar melhor, ou pode ficar pior. Você não sabe até que a mudança ocorra. É incerteza o suficiente para que a maioria das pessoas não se preocupe com nisso.
Mas deveriam se preocupar, regularmente. A vida cotidiana tem mais tendência a ficar melhor do que pior, pois uma mudança deliberada lhe dá a chance de ver se a sua nova situação lhe agrada ou não, e lhe dá uma segunda visão da situação anterior. Se a nova situação lhe agrada, então você está mais próximo de encontrar o que é bom para você, o que é ótimo para o seu senso de bem-estar.
Se a nova situação não lhe agrada, então você tem mais perspectiva sobre o que é que você já faz que gosta tanto. Seus valores se tornam mais claros e você gravita em direção a eles mais fortemente. Se você sai do meio rural, vai para a cidade e odeia isso, então você definitivamente aprendeu mais sobre o que é que realmente lhe agrada tanto em estar no interior. Isto é progresso. Isto é chegar mais perto do que você quer (em inglês).

Convivendo com o lance de dados

Para Jamie, e para a maioria de nós, aquelas quatro grandes bases não foram decididas conscientemente. A carreira que você acabou seguindo depende sumariamente do que você viu como opções quando estava apenas começando a entrar no mercado de trabalho. Aquele foi um período de tempo muito curto, durante o qual você só estava ciente de um número limitado de opções. Você foi adiante com o aquilo que fazia sentido naquela época. O resultado - o que você faz hoje - é mais ou menos puro acaso.
Amigos também estão, em sua maioria, presentes em nossa vida por padrão. A maioria de nós encontrou algumas pessoas incríveis e inspiradoras apenas permitindo que o acaso as entregasse, mas assim que temos algumas amizades estáveis, nos tornamos complacentes e paramos de procurar ativamente por amigos que realmente correspondem aos nossos valores e interesses, se é que já tenhamos feito isso alguma vez.
O lugar onde você mora é algo ainda mais aleatório, mais difícil de mudar e pode ter o maior efeito de todas as bases, porque ele determina o restante. Você nasceu em um lugar. Se você se mudou, isso provavelmente ocorreu por questões de trabalho ou relacionamento. Uma minoria das pessoas se muda para uma cidade específica porque pensa que será mais feliz lá do que em qualquer outro lugar. Estas pessoas estão procurando o lugar ótimo para viver para seus valores, ou ao menos chegar próximo disso. Mas a maioria de nós se torna estabelecida demais em um lugar para considerar seriamente mudar-se assim que se chega nos 30.
Amigos, locais e carreira tendem a definir o outro: o que você faz com seu tempo. Seus hábitos e seus hobbies. Suas rotinas, suas atividades típicas de sábado à noite, seu guarda-roupas, seus objetivos e projetos pessoais são todos sugeridos (e limitados) pelo seus padrões nas outras categorias. Se você cresceu em Nebrasca, você provavelmente não surfa. Mas o surfe pode ser exatamente a coisa que realmente giraria sua manivela como nada mais o faria, se você for sortudo o suficiente para descobrir isso.
Grande parte de nossas vidas consiste de condições nas quais caímos. Gravitamos involuntariamente em direção ao que funciona a curto prazo, em termos de no que trabalhamos e com qual público nos relacionamos. Não há nada errado em viver de forma padrão, necessariamente, mas pense nisso: qual a possibilidade dos padrões entregues a você por acaso estarem de alguma forma próximos ao que você considera realmente ótimo?
Em outras palavras, nós raramente decidimos conscientemente como vamos viver nossas vidas. Nós simplesmente acabamos vivendo de uma determinada maneira. Nós herdamos nossas vidas do acaso.
Existe toda probabilidade de que o que você herdou não esteja de forma alguma próximo ao que é melhor para você. As chances são muito pequenas de que não exista uma vizinhança drasticamente melhor para você lá fora, um círculo de amizades mas coeso, uma linha de trabalho muito melhor e uma maneira muito mais recompensante de seguir com seu dia do que a forma como você tem feito isso. Seu nível de satisfação e sensação de paz com o mundo dependem do quão bem seus valores correspondem com a vida que você realmente vive. Não há razão para acreditar que eles se corresponderão bem por acidente.
O curso de vida mais natural consiste em fazer o que você está acostumado a fazer, viver onde você está acostumado a viver, procurar o que você está acostumado a procurar. Então tenha cuidado. Estou convencido de que todos os meus maiores problemas - e muitos dos problemas na seção de comentários do artigo Qual é o seu problema? (originalmente em inglês) - são causados por seguirmos os padrões, seja por medo, seja por esquecermos de fazer mudanças significativas neles.
Culturalmente, nós fazemos muita manutenção, racionalização, adiamento e esforço, e não nos dedicamos tanto a pensar no que de fato é o melhor para nós e no quão drásticas seriam as mudanças necessárias para chegarmos a isso.
Então o que isso significa? Significa que, se você é uma pessoa normal, pode esperar que muitas das categorias da sua vida sejam definidas de formas altamente ineficientes, por padrão. Certas áreas da sua vida podem estar totalmente erradas para você e você não tem ideia do quão bom poderia ser do outro lado da cerca. Também significa que, onde quer que você reconheça uma fonte persistente de tristeza na sua vida, há provavelmente uma forma diferente de configurar sua vida que pode eliminá-la ou reduzi-la enormemente. Pode ser uma grande mudança, como livrar-se de seu cônjuge, ou pode ser apenas mudar-se para um bairro diferente na mesma cidade.
Grandes mudanças são intimidadoras, mas pense nisso - muitas vezes quando você ouve pessoas falarem sobre grandes mudanças nas suas vidas, como mudar de cidade ou carreira, um ano depois essas pessoas dizem que a mudança os colocou em um lugar muito melhor. Elas lhe dizem que não sabem como viviam antes.
Este é um sentimento que vale a pena procurar. Este sentimento específico - que surge na sequência de uma grande mudança - de se perguntar como era possível que você pensasse que já havia se dado bem antes.
As notas finais, caso eu não tenha sido claro:
É típico do ser humano sentir que algo enorme está faltando ou instável.
É comum que os aspectos mais importantes de uma vida humana (carreira, amigos, hábitos e moradia) sejam decididos ao acaso, e não de forma consciente.
O sentimento de que algo grande esteja faltando se deve provável e geralmente a um sério descompasso entre a sua situação atual e a situação ideal para você em um destes aspectos.
Causar conscientemente mudanças nos aspectos de sua vida que você tem aceitado por padrão pode resultar em mudanças dramáticas e imediatas na qualidade de vida.
Poucas pessoas fazem isso. Poucas pessoas fazem uma jornada deliberada em busca da sua cidade perfeita ou bairro perfeito, em busca de seus semelhantes de verdade. A maioria de nós vive setenta ou oitenta anos defendendo o que nos foi dado, porque achamos que isto é o que somos.
Em qualquer momento, a proposta de uma grande mudança tenderá a parecer fora de questão. Isto porque você acredita que você é o que você tem feito o tempo todo. Do outro lado de uma grande mudança, a ideia de continuar as coisas da forma que eram parecerá absurda.
Mas identidade é fluida. Você tem se tornado uma pessoa diferente o tempo todo, e após fazer uma mudança dramática, você pode descobrir que é mais você mesmo do que jamais foi antes.
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Fotos por Fabio Bruna
Esta é uma tradução livre do artigo de David Cain, no Raptitude, realizada por Alexandre Heitor Schmidt.