
Na semana passada, pedi que os leitores respondessem à questão “Onde você se encontra neste momento em sua vida?” Incluindo e-mails, houve algo em torno de 200 respostas até agora. Veja-as aqui (em inglês ou aqui, em português).
Cada pessoa parece estar bem no meio de uma história bastante dramática. Alguns temas emergiram. Diversas pessoas disseram que se encontram em um momento difícil ou de indecisão, incertas sobre qual direção devem tomar. Muitos outros parecem ter passado de um estágio da vida para outro que é novo e nada familiar – se formaram, acabam de terminar uma relação, sofreram uma tragédia.
Parece haver uma alta e desproporcional incidência de preocupação e incerteza. Mas talvez isso seja mais normal do que pensamos. Estes momentos pesados parecem ser exceção enquanto os vivemos, uma vez que mal podemos esperar para voltarmos a nossa vida normal, isto é, para o que geralmente imaginamos que seja normal.
O normal, no entanto, pode ser uma miragem. Quando você vai ao encontro de algum conhecido em uma festa ou algo assim e lhe perguntam como você está, o que você está fazendo, você provavelmente tem uma tendência a “normalizar” a resposta – “Ah, eu continuo trabalhando na [empresa X], jogando tênis uma vez por semana agora, planejando viajar para o Havaí. Está tudo bem.” Você provavelmente deixará de fora qualquer angústia que sinta sobre o momento que está vivendo em sua vida, sobre como você realmente está, sobre para onde você pensa que está dirigindo seus esforços, mesmo que estes pensamentos signifiquem boa parte da vida da maioria das pessoas.
Se você leu todas as diferentes percepções destas pessoas sobre onde elas realmente estão em suas vidas, drama e incerteza são normais, se é que normal tenha mesmo algum significado.
Ainda que eu pense que tenho uma ideia melhor agora, eu geralmente sou egoísta em acreditar que estou praticamente “dobrando a esquina” para finalmente entrar na estrada reta da minha vida. É um tipo de neurose que parecemos ter – a ideia de que existe um ponto a ser atingido na vida a partir do qual não haverá mais nada significante pendente de ser resolvido. Bem, eu acho que esse dia realmente existe: o do nosso enterro. A condição humana pode ser gerenciada, mas não existe uma cura real. Esta pode ser uma notícia fantasticamente libertadora se você estiver pronto para esquecer a ideia de finalmente dobrar a esquina algum dia.
Há, no entanto, avanços a serem feitos. Algumas vezes quando eles acontecem, você sente como se fossem “A Resposta”, mas a euforia se vai quando você se depara com a próxima crise de problemas. Eles podem alterar a sua trajetória de vida, fazendo com que você mude de maneira permanente a forma como lida com as coisas e fazendo com que você nunca mais sinta um determinado tipo de dor. É como se você “passasse de fase” em termos de habilidades em qualidade de vida.
Avanços tendem a vir na forma de tapas na testa, quando você se dá conta que tem sido o causador de seus problemas durante sua vida toda, e você se dá conta que não precisa mais continuar fazendo isso. É bem comum que isto aconteça por meio de uma simples percepção através de algo que você leu ou ouviu alguém dizer.
Após um grande avanço, problemas familiares podem passar a ser vistos de outra forma, deixando de atingir você realmente como problemas. Você pode fazer com que esta nova perspectiva se torne presente em todos os momentos crônicos da sua vida e talvez esta seja a solução do momento, ou talvez não. Mas as coisas serão diferentes.
Eu tive um avanço recentemente que explica uma grande parte dessa dificuldade aparentemente desnecessária que eu tinha na vida. Acho que pode ser relevante para alguns de vocês.
Esforço, explicado
Antes de mais nada, quero deixar claro que não culpo ninguém pelo que aconteceu comigo. Ninguém tentou me prejudicar.
Quando criança, eu demonstrava um talento e uma inteligência excepcionais e eu sempre era elogiado por isso. O problema é que inteligência e talento natos não são coisas que se possa adquirir. É um lance de dados.
A criança que se acostuma a ser enaltecida por coisas que ela alcançou começa a entender que seu sucesso é uma condição de “como as coisas são”. Ela terá sucesso porque ela é quem ela é, não porque ela faz o que faz.
O leitor e também blogueiro Brian Kung publicou um artigo há algumas semanas, identificando a situação como um fenômeno relativamente comum, dizendo que há problemas comportamentais já bem conhecidos na vida adulta de pessoas que, quando crianças, foram enaltecidas exclusivamente por seus talentos.
Conforme eu lia a lista de consequências típicas, comecei a sentir frios na barriga. Era eu. Talvez seja você também.
No fim das contas, a criança acaba associando sucesso e fracasso com traços de personalidade natos e imutáveis, ao invés de entender isso como comportamentos que funcionam e não funcionam. Ela se torna extremamente avessa a correr riscos porque não quer fracassar em algo que faça e passe a ser vista como “burra” ao invés de “esperta”.
Ela fica com medo do fracasso e da rejeição porque acredita que a incidência de fracassos ou rejeições sejam evidências diretas de que ela seja um fracasso ou uma rejeição. Ela evita desafios porque desafios sempre representam uma possibilidade de “se tornar” um fracasso.
Ela não consegue lidar com críticas, porque percebe isso como um desafio a quem ela é, não à forma como está fazendo alguma coisa no momento.
Ela se sente ameaçada pelo sucesso dos outros. Ela não consegue lidar com a perda, então evita competir.
Depois de anos com este tipo de sentimento acompanhando conquistas e objetivos, ela começa a sentir o mundo como determinístico e que esforço extra não substitui a capacidade intrínseca de alguém.
Isto explica tudo. Explica por que eu nunca me inscrevi para intercâmbios, por que deixei de praticar esportes, por que nunca tentei seguir uma carreira que eu pensava que poderia adorar, por que evitei encontros, por que sempre usei roupas sem graça, por que eu costumava sentir medo até de pedir uma pizza, pois poderia me perder no pedido e me sentir envergonhado.
Ela “pode chegar a um determinado patamar muito cedo e não atingir todo o seu potencial.”
Fiquei muito feliz de ler isso. Mais uma vez: não posso culpar os adultos da minha vida pelos encorajamentos que me deram. Ninguém de nós poderia saber dos bizarros efeitos colaterais. O importante é minha percepção de ter tido uma revelação sobre algo que pesava em mim durante a vida toda e isto me deixa entusiasmado para viver o resto dela.
Percepção não basta
Uma percepção por si só, no entanto, não muda a forma como vivemos nossa vida. Ela deve se manifestar como uma mudança comportamental para que a vida mude, e isto não acontece de forma automática. Para mim, isso remete a reduzir a percepção a um mantra ou aforismo, que seja o gatilho para agir de outra forma nestes certos momentos em que você está prestes a cometer seu erro cotidiano.
A revelação foi esta:
Não importa quem você é, mas o que você faz.
É isto que tem me vindo à cabeça sempre que eu percebo que estou levando algo para o lado pessoal. Sucesso e fracasso dizem respeito apenas à validade das ações, não às personalidades. Isto fará alguns bocejarem – eles já vêm lendo coisas parecidas em pôsteres de motivação e em biscoitos da sorte desde sempre. Pois eu também, mas não entendia o significado.
Todas as vezes que eu fracassei, não via outra explicação senão a de que o fracasso fora uma consequência de quem eu era. De alguma forma, eu acreditava que todas as vezes em que fui bem sucedido, isto fora uma consequência direta de minhas qualidades natas e não do meu comportamento usual, então meus fracassos também deveriam seguir a mesma linha de raciocínio. Se eu estragava alguma coisa, não havia a possibilidade de eu apenas ter escolhido fazer algo que não era o mais apropriado, mas tratava-se de uma falha pessoal.
Eu nunca fui responsável por qualquer um deles, sucessos ou fracassos. Somente o mundo em geral poderia me entregar uma ou outra. O mundo em geral optou por chutar meu traseiro.
Se eu não conseguia um emprego, era porque eu era inadequado, e não porque eles apenas não ouviram de mim o que queriam ouvir.
Se eu era rejeitado por uma garota, era porque havia algo errado comigo, não porque naquele momento minha estratégia de aproximação não a intrigou por alguma razão.
Se eu sempre vivi em apartamentos chatos e monótonos, é porque eu sou uma pessoa desinteressante, não porque eu nunca tracei como objetivo ter uma casa como eu gostaria e em uma vizinhança em meio a qual eu desejasse estar.
A diferença entre pessoas que sofrem deste tipo de “determinismo de personalidade” está em entender que você pode usar outra abordagem da próxima vez, e este sempre será o único ajuste necessário.
“Quem você é” é sempre o suficiente. Você sabe que conseguirá da próxima vez ou na seguinte porque você pode tentar algo diferente. Eu sempre assumi que, se eu fracassei em alguma coisa, eu deveria ser outra pessoa para que fosse possível eu ser bem sucedido.
Que inacreditável erro de cálculo! É o que você faz, não quem você é! E eu venho fazendo isso errado por toda minha vida. Talvez você não, mas se isto lhe soar familiar, as coisas podem estar próximas de mudar muito.
Eu estava vivendo ao contrário. Descobri que quem eu sou determinava o que eu faria ou poderia fazer. Por causa de quem eu era, eu não podia fazer X, então sempre tinha que fazer Y. Isso é o que eu era. Acontece que o que eu faço pode mudar a qualquer momento e isto tem um efeito direto na modificação do meu eu. Eu nunca dancei porque eu nunca fui uma “pessoa que dança”. Agora parece óbvio para mim que, tão logo eu dance, apesar da pessoa que eu penso ser, eu rapidamente me torno uma pessoa que dança. É assim que pessoas que dançam se tornam pessoas que dançam. Elas dançam.
Em outras palavras, são os comportamentos que resultam na personalidade, não a personalidade que resulta nos comportamentos; e esta, para mim, é uma revelação que não tem preço.
Isso significa que a personalidade é extraordinariamente maleável, contanto que você não esqueça de que, não só pode fazer o que não é do seu feitio, como fazer o que não é do seu feitio é o único caminho para o crescimento.
Ainda assim, todos nós gravitamos em direção ao confortável, o que equivale a gravitar em direção ao que não nos ajuda a crescer.
De qualquer forma, vejo tudo de forma muito clara agora. Objetivos há muito esquecidos parecem frescos novamente. Eles vão acontecer. Minha personalidade não me limita mais, porque eu vou ignorá-la. Eu farei o que não é do meu feitio e surpreenderei as pessoas que melhor me conhecem. Vou surpreender a mim mesmo.
Mais uma vez, eu sei que existem pessoas que nunca tiveram este problema. Elas estabelecem objetivos de forma confiante, sabendo que serem quem são, não as limita, e que fracassar significa tão somente que o que elas fizeram não era o que iria funcionar.
Ainda assim, eu sei que alguns de vocês sentiram o clique. Suspeito que muitos, até mesmo a maioria de nós, pensa que nossas personalidades são esquemas muito rígidos e que não nos permitem fazer muitas coisas que queremos. Então eu espero que você faça algo que não é do seu feitio hoje e veja se entende o que eu quero dizer.
----
Esta é uma tradução livre do artigo de David Cain, no Raptitude.
Nenhum comentário:
Postar um comentário