segunda-feira, 21 de maio de 2012

Como fazer a coisa certa, para pecadores como você e eu


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Tendo crescido em uma família culturalmente tradicional (porém não religiosa), pecado não era algo em que eu pensasse muito. Quem lidava e falava sobre isso era o pessoal da igreja.
Mas, sim, eu pequei e continuo pecando. Hoje em dia, eu mesmo me vejo como uma pessoa que peca frequentemente, e estou trabalhando isso.
Para mim, esta palavra tem um significado diferente do que tem na cultura contemporânea. Quando criança, eu aprendi (e você também, provavelmente) que pecar é fazer algo realmente ruim. Se você pesquisar, verá que geralmente isso se refere a violar algum código de conduta religioso.
Então, por definição, se você não é religioso, você não tem como pecar, pois você não tem um código de conduta para violar.
Ainda assim, eu considero que este seja um conceito útil, mesmo para os não religiosos. Como mencionei anteriormente, eu penso que religiões são essencialmente metodologias de desenvolvimento pessoal que fugiram do controle. Elas são filosofias e mitologias destinadas a ajudar-nos a navegar a vida humana de forma a causar o menor dano possível, tanto para nós mesmos quanto para os outros. [Para uma explicação mais detalhada de por que eu penso assim, leia isso.]
Os infames "Sete Pecados Capitais" do Cristianismo, por exemplo, não são diferentes, em termos de objetivo, das proibições budistas de atos sexuais que causam danos, da mentira e do roubo. Todos se tratam de avisos claros que certos tipos de comportamento conduzem quase que invariavelmente ao sofrimento, seu e do próximo, portanto, se você não está a fim de sofrer, pode ser do seu agrado evitar de fazer tais coisas. O pecado bem definido existe para criar um sinal vermelho em sua mente nos momentos em que você está prestes a fazer algo prejudicial. Este sinal vermelho pode ser bastante útil como uma ferramenta que lhe permita tornar-se uma pessoa melhor.
A palavra, no entanto, se tornou um pouco carregada com o passar do tempo e acabou passando a ser utilizada exclusivamente para acusar outras pessoas, como vou explicar a seguir. Pecadores!
A palavra "pecar" tem sido mais comumente reconhecida como significando "errar o alvo". Não por fazer algo ruim por si só, mas por cometer um engano. Em termos modernos, talvez a expressão mais próxima do significado original de pecar seja "errar feio" [o texto original diz "fuck up"].
Não é preciso, no entanto, que a palavra venha acompanhada desta bagagem moral terrível, ainda que fique subentendido que você fez algo que causou algum prejuízo. E sempre que causamos prejuízo, pode-se afirmar que existe alguma questão moral em jogo em algum ponto. Moral não é nada além da consideração do dano causado por uma ação particular, certo?
Mas eu penso que, ao invés de definir pecado como algo "contra as regras", algo pelo que seremos punidos (por Quem ou O quê tenha sido que inventou estas regras), é mais útil pensar que o pecado seja uma transgressão moral contra nós mesmos.

Pecado diário

Nós todos causamos danos da forma como vivemos, em especial a nós mesmos. Nós reagimos às mesmas coisas todos os dias, em benefício de ninguém. Tráfego, longas filas, os hábitos de certas pessoas. Nós adiamos, mesmo quando aprendemos mais e mais que é muito mais fácil arregaçar as mangas e fazer acontecer.
Trata-se de uma ação bastante humana: prejudicar-se sem motivo. Eu me pergunto como outros animais fazem isso tão pouco. Como a noção de pecado surgiu como uma resposta à tendência óbvia do ser humano de causar danos, se descartarmos toda a bagagem religiosa, podemos utilizar o conceito de pecado em nossas próprias vidas para reconhecer aqueles momentos nos quais estamos prestes a fazer aquela coisa besta, aquela coisa ruim, ser preguiçoso, agir em autodefesa, e agirmos de forma diferente.
Cada um de nós é diferente, portanto nosso pecados comuns são diferentes também. Alguns dos meus pecados mais comuns são:
  • colocar tudo para fora quando não há uma razão inteligente para fazer isso
  • evitar interações nas quais eu corra o risco da dor social (como rejeição ou embaraçamento)
  • entregar-me ao gratificante comportamento risco zero, que não oferece nenhum benefício de longo prazo (tipo quando fico navegando indefinidamente na internet)
Talvez o seu pecado seja:
  • abrir a geladeira quando está entediado
  • dar o tratamento do silêncio ao seu parceiro quando você está frustrado com algo
  • deixar a louça na pia quando vai dormir
Pecados tendem a minar suas tentativas de se aperfeiçoar, modificar padrões, fugir da rotina. Estar atento sobre onde o pecado ocorre em seus ciclos comportamentais é como encontrar a chave certa para o parafuso, aquele lugar do qual você pode se libertar e não voltar mais. Conhecer seus pecados é um solo fértil para grandes avanços na vida.
Os pecados religiosos tradicionais tentam resumir todos estes comportamentos de autodefesa a categorias muito mais gerais de comportamentos do tipo "não-não", geralmente definidos por palavras isoladas, tais como "ganância" ou "orgulho", mas estas palavras não costumam nos dar pistas suficientes sobre de que outra forma podemos lidar com as coisas. Eu penso que, se queremos mudar significativamente nossas vidas, consequentemente pecando com menos frequência, precisamos ser mais específicos e mais pessoais.

Quem é, de fato, o Diabo?

Eu sei que um dos meus pecados perpétuos é convencer a mim mesmo que eu posso me exercitar amanhã ao invés de hoje. A desculpa é sempre a mesma mentira escorregadia – minha ginástica diária é curta e intensa e eu poderia tranquilamente fazer duas sessões em um dia, então eu posso tranquilamente deixar de fazer hoje e fazer amanhã. É claro que, no dia seguinte, novamente não quero me exercitar e isso acaba sendo duas vezes mais tentador, porque eu tenho que fazer duas sessões, não uma. Então caio num círculo vicioso.
É quase como se eu tivesse um lado mal, um sacana tentando destruir tudo que é bom e virtuoso. Não é sem sentido tentar dar um nome a este sacana. Que tal "Satã"? Ele me sacaneia e me faz pecar. Às vezes eu acredito que ele não existe e é justamente nesta hora que ele é mais perigoso.
Seria bastante lógico e fácil projetar uma narrativa religiosa sobre tudo isso. Você poderia considerar a parte medrosa, enganosa da sua mente como se fosse o Diabo. Você poderia considerar que a parte virtuosa, intuitiva e não reativa da sua mente como se fosse Deus. E poderia ver suas lutas pessoais como conflitos entre o bem e o mal.
Pecar nos permite experimentar a mesma dor repetidamente, enclausurando-nos em um ciclo de dor que se manifesta na vida das pessoas como Inferno. O Inferno do vício, o Inferno do autodesprezo, o Inferno do adiamento.
O inferno é o que você cria quando peca. Não é um lugar para onde você vai quando morre, caso tenha chegado ao fim da sua vida uma pontuação baixa. Estou convencido de que o Inferno, descrito pelos sábios autores das escrituras religiosas, não é nada mais do que ciclos de sofrimento pessoais e autocriados. E se você alguma vez experimentou a agonia de se contorcer na grande dor (que você tem) em um ciclo de vida, então você sabe se isso pode ou não ser considerado um Inferno.
Eu não acho que estas narrativas mitológicas sejam um quadro tão irracional de se pintar, mas aí corremos o risco de transformar a coisa toda num desenho animado, fazendo destes conceitos úteis, entidades concretas que supostamente lutam fora de nós, no mundo em geral.
Mas, mesmo que essa guerra seja real, o único ponto de influência que você tem nela – e, portanto, o único ponto que considera importante – é como você se conduz. E é isso que toda religião sempre foi. Os nomes, os eventos, as fábulas, a criação das histórias – tudo isso são apenas alegorias e cenografias para ajudar o ser humano a entender como viver sem acabar no Inferno.
Em outras palavras, ver o pecado como qualquer coisa menos como algo importante para sua conduta é uma válvula de escape para longe da sua responsabilidade pessoal. Você pode desviar o holofote de si mesmo, desviar do sofrimento que está criando, concentrando-se em falhas comportamentais dos outros.
E isso nos proporciona uma sensação extraordinária de alívio – poder sentir-se bem consigo mesmo por um momento, porque você vê que outra pessoa está pecando de forma muito pior. Pense nisso. Todos nós temos nos impelido a fazer certas coisas a vida toda! É uma batalha que dura a vida toda e não temos muitas folgas, exceto quando nos preocupamos com os erros que os outros estão cometendo.
É muito mais fácil e muito mais atraente zombar dos "pecados" dos outros, do que concentrar-nos em superar nossos próprios demônios, e penso que em algum ponto isso acabou se tornando um tema mais proeminente na prática espiritual do que autorreflexão e autodesenvolvimento. O pecado passou a significar julgamento, ao invés de crescimento pessoal.

Conheça seus pecados

Todas as religiões têm sua lista de pecados. Há certos comportamentos que parecem ser insensatos – universalmente – para qualquer um que não goste de sofrimento. Ganância, preguiça, inveja, luxúria, raiva e assim por diante. Você sabe o que são. E eles são reais, geralmente. A maioria das pessoas é propensa a machucar a si e aos outros por entregar-se à ganância, inveja, luxúria, gula ou os outros.
O problema é que eles são muito genéricos e não existe um ponto claro no qual se possa aplicá-los ao seu comportamento. Quando vou a qualquer lugar onde há um monte de pessoas num dia quente de verão, eu verei dúzias de belas mulheres vestindo blusinhas e minissaias. Eu experimentarei sentimentos de luxúria. Estou pecando? Estou ferindo a mim ou a outros? Onde está o perigo? O que eu deveria fazer?
Talvez haja algum perigo aí (especialmente se houver uma barraquinha vendendo cerveja). Eu poderia fazer alguém se sentir desconfortável ou inseguro, olhando para seu decote. Eu poderia pisar nos calos de alguém, caso flertasse com uma mulher já comprometida. Eu poderia perder o juízo e me entregar a um encontro sexual impulsivo que causaria um sofrimento enorme para minha namorada ou esposa. Fica claro que vale a pena reconhecer a força que sentimentos lascivos têm, pois isso lhe permite evitar danos que podem ser causados em decorrência deles.
Mas, se um pecado é descrito para mim por um livro sagrado como simplesmente "Luxúria", não há forma de eu saber como proceder, uma vez que o perigo parece estar em todo lugar. Em algumas culturas, os homens insistem que as mulheres não possam exibir seus corpos, pois, se o fizerem, estarão provocando comportamentos pecadores. Portanto elas devem vestir sacos de pano.
Isto é insano e é o que ocorre quando a ideia de pecado deixa a esfera da responsabilidade e reflexão pessoais, passando a uma instância de dogma – onde toda reflexão sobre o por que é considerada como já tendo sido tratada há séculos. A autoavaliação sobre como se deve viver jamais deveria ser considerada "finalizada".
"Reconhecer meus pecados", neste caso, pode significar estar ciente de que flertar com alguém pode não representar perigo, mas sexo sem proteção é definitivamente algo que possibilita ferir a mim ou a outros. Se eu pratiquei tal transgressão no passado, devo pensar sobre onde exatamente eu posso sentir a tentação de pecar e sobre o que fazer para evitar isso.
Os pecados aos quais cada um de nós está suscetível são diferentes. Para você, pode ser apertar o botão "soneca" nove vezes e não ir meditar de manhã. Para mim, pode ser visitar o Reddit enquanto tomo meu café da manhã, ao invés de preparar um almoço para levar ao trabalho.
Cada pecado tem uma hora da verdade, na qual você tem uma chance de se salvar. Ao invés de apertar o botão "soneca" pela segunda vez, você se senta e coloca os pés no chão, antes que o Diabo assuma o controle. Ao invés de clicar em mais um link interessante/enfurecedor, eu fecho a tela do laptop e vou pegar o tupperware.
Eu não estou sugerindo que você se sente e comece a inventariar todos os seus pecados, depois faça uma lista dos "Dezesseis pecados capitais do Fred Smith". Você precisará ser capaz de reconhecê-los conforme forem acontecendo. Você deve saber identificar aquele momento em que você pode fazer a coisa errada, novamente.
Você precisa descobrir como agir de forma diferente. Assim que descobrir, para colocar em prática, só precisa mover seu corpo, ainda que não seja o que você quer fazer. Sente-se, coloque os pés no chão.
Saber o que seu corpo deve fazer neste momento é crucial. Então você só tem que se atirar de corpo nisso e deixar para trás aquele momento de tentação, ou então o Diabo encarnará em você. Na hora da verdade, quando percebo que estou tentando me convencer a adiar minha ginástica, eu sei que preciso tirar as calças, afastar a mesa do café, pegar o kettlebell e começar o aquecimento.
Mexa seu corpo antes que o Diabo o faça e nunca deixe que ele o convença de que você não é um pecador também.
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Foto de Isidr Cea
Esta é uma tradução livre do artigo de David Cain, no Raptitude.

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