
Tendo crescido em uma família culturalmente tradicional (porém
não religiosa), pecado não era algo em que eu pensasse muito. Quem
lidava e falava sobre isso era o pessoal da igreja.
Mas, sim, eu pequei e continuo pecando. Hoje em dia, eu mesmo me
vejo como uma pessoa que peca frequentemente, e estou trabalhando
isso.
Para mim, esta palavra tem um significado diferente do que tem na
cultura contemporânea. Quando criança, eu aprendi (e você
também, provavelmente) que pecar é fazer algo realmente ruim. Se
você pesquisar, verá que geralmente isso se refere a violar algum
código de conduta religioso.
Então, por definição, se você não é religioso, você não
tem como pecar, pois você não tem um código de conduta para
violar.
Ainda assim, eu considero que este seja um conceito útil, mesmo
para os não religiosos. Como mencionei anteriormente, eu penso que
religiões são essencialmente metodologias de desenvolvimento
pessoal que fugiram do controle. Elas são filosofias e mitologias
destinadas a ajudar-nos a navegar a vida humana de forma a causar o
menor dano possível, tanto para nós mesmos quanto para os outros.
[Para uma explicação mais detalhada de por que eu penso assim,
leia isso.]
Os infames "Sete Pecados
Capitais" do Cristianismo, por exemplo, não são diferentes, em
termos de objetivo, das proibições budistas de atos sexuais que
causam danos, da mentira e do roubo. Todos se tratam de avisos claros
que certos tipos de comportamento conduzem quase que invariavelmente
ao sofrimento, seu e do próximo, portanto, se você não está a fim
de sofrer, pode ser do seu agrado evitar de fazer tais coisas. O
pecado bem definido existe para criar um sinal vermelho em sua
mente nos momentos em que você está prestes a fazer algo
prejudicial. Este sinal vermelho pode ser bastante útil como uma ferramenta que
lhe permita tornar-se uma pessoa melhor.
A palavra, no entanto, se tornou um pouco carregada com o passar
do tempo e acabou passando a ser utilizada exclusivamente para acusar outras pessoas, como vou explicar a seguir. Pecadores!
A palavra "pecar" tem sido mais comumente reconhecida como
significando "errar o alvo". Não por fazer algo ruim
por si só, mas por cometer um engano. Em termos modernos, talvez a
expressão mais próxima do significado original de pecar
seja "errar feio" [o texto original diz "fuck up"].
Não é preciso, no entanto, que a palavra venha acompanhada desta bagagem moral
terrível, ainda que fique subentendido que você fez algo que causou
algum prejuízo. E sempre que causamos prejuízo, pode-se afirmar que
existe alguma questão moral em jogo em algum ponto. Moral não é
nada além da consideração do dano causado por uma ação
particular, certo?
Mas eu penso que, ao invés de definir pecado como algo "contra
as regras", algo pelo que seremos punidos (por Quem ou O quê tenha
sido que inventou estas regras), é mais útil pensar que o pecado
seja uma transgressão moral contra nós mesmos.
Pecado diário
Nós todos causamos danos da forma como vivemos, em especial a nós
mesmos. Nós reagimos às mesmas coisas todos os dias, em benefício
de ninguém. Tráfego, longas filas, os hábitos de certas pessoas.
Nós adiamos, mesmo quando aprendemos mais e mais que é muito mais
fácil arregaçar as mangas e fazer acontecer.
Trata-se de uma ação bastante humana: prejudicar-se sem motivo.
Eu me pergunto como outros animais fazem isso tão pouco. Como a
noção de pecado surgiu como
uma resposta à tendência óbvia do ser humano de causar danos, se
descartarmos toda a bagagem religiosa, podemos utilizar o conceito de
pecado em nossas
próprias vidas para reconhecer aqueles momentos nos quais estamos
prestes a fazer aquela coisa besta, aquela coisa ruim, ser
preguiçoso, agir em autodefesa, e agirmos de forma diferente.
Cada um de nós é diferente, portanto nosso pecados comuns são
diferentes também. Alguns dos meus pecados mais comuns são:
- colocar tudo para fora quando não há uma razão inteligente
para fazer isso
- evitar interações nas quais eu corra o risco da dor social
(como rejeição ou embaraçamento)
- entregar-me ao gratificante comportamento risco zero, que
não oferece nenhum benefício de longo prazo (tipo quando fico
navegando indefinidamente na internet)
Talvez o seu pecado seja:
- abrir a geladeira quando está entediado
- dar o tratamento do silêncio ao seu parceiro quando você
está frustrado com algo
- deixar a louça na pia quando vai dormir
Pecados tendem a minar suas tentativas de se aperfeiçoar,
modificar padrões, fugir da rotina. Estar atento sobre onde o pecado
ocorre em seus ciclos comportamentais é como encontrar a chave certa
para o parafuso, aquele lugar do qual você pode se libertar e não
voltar mais. Conhecer seus pecados é um solo fértil para grandes
avanços na vida.
Os pecados religiosos tradicionais tentam resumir todos estes
comportamentos de autodefesa a categorias muito mais gerais de
comportamentos do tipo "não-não", geralmente definidos por
palavras isoladas, tais como "ganância" ou "orgulho", mas
estas palavras não costumam nos dar pistas suficientes sobre de que outra
forma podemos lidar com as coisas. Eu penso que, se queremos mudar
significativamente nossas vidas, consequentemente pecando com menos frequência, precisamos ser mais específicos e mais pessoais.
Quem é, de fato, o Diabo?
Eu sei que um dos meus pecados perpétuos é convencer a mim mesmo
que eu posso me exercitar amanhã ao invés de hoje. A desculpa é
sempre a mesma mentira escorregadia – minha ginástica diária é
curta e intensa e eu poderia tranquilamente fazer duas sessões em um
dia, então eu posso tranquilamente deixar de fazer hoje e fazer
amanhã. É claro que, no dia seguinte, novamente não quero me
exercitar e isso acaba sendo duas vezes mais tentador, porque eu
tenho que fazer duas sessões, não uma. Então caio num círculo
vicioso.
É quase como se eu tivesse um lado mal, um sacana tentando
destruir tudo que é bom e virtuoso. Não é sem sentido tentar dar
um nome a este sacana. Que tal "Satã"? Ele me sacaneia e me faz
pecar. Às vezes eu acredito que ele não existe e é justamente
nesta hora que ele é mais perigoso.
Seria bastante lógico e fácil projetar uma narrativa religiosa
sobre tudo isso. Você poderia considerar a parte medrosa, enganosa
da sua mente como se fosse o Diabo. Você poderia considerar que a
parte virtuosa, intuitiva e não reativa da sua mente como se fosse
Deus. E poderia ver suas lutas pessoais como conflitos entre o bem e
o mal.
Pecar nos permite experimentar a mesma dor repetidamente,
enclausurando-nos em um ciclo de dor que se manifesta na vida das
pessoas como Inferno. O
Inferno do vício, o Inferno do autodesprezo, o Inferno do
adiamento.
O inferno é o que você cria quando peca. Não é um lugar para
onde você vai quando morre, caso tenha chegado ao fim da sua vida uma
pontuação baixa. Estou convencido de que o Inferno, descrito pelos
sábios autores das escrituras religiosas, não é nada mais do que
ciclos de sofrimento pessoais e autocriados. E se você alguma vez
experimentou a agonia de se contorcer na grande dor (que você tem)
em um ciclo de vida, então você sabe se isso pode ou não ser considerado um Inferno.
Eu não acho que estas narrativas mitológicas sejam um quadro tão
irracional de se pintar, mas aí corremos o risco de transformar a
coisa toda num desenho animado, fazendo destes conceitos úteis,
entidades concretas que supostamente lutam fora de nós, no mundo em geral.
Mas, mesmo que essa guerra seja real, o único ponto de influência
que você tem nela – e, portanto, o único ponto que considera
importante – é como você se conduz. E é isso que toda religião
sempre foi. Os nomes, os eventos, as fábulas, a criação das
histórias – tudo isso são apenas alegorias e cenografias para
ajudar o ser humano a entender como viver sem acabar no Inferno.
Em outras palavras, ver o pecado como qualquer coisa menos como
algo importante para sua
conduta é uma válvula de escape para longe da sua responsabilidade
pessoal. Você pode desviar o holofote de si mesmo, desviar do
sofrimento que está criando, concentrando-se em falhas
comportamentais dos outros.
E isso nos proporciona uma sensação extraordinária de alívio –
poder sentir-se bem consigo mesmo por um momento, porque você vê que
outra pessoa está pecando de forma muito pior. Pense nisso. Todos
nós temos nos impelido a fazer certas coisas a vida toda! É uma
batalha que dura a vida toda e não temos muitas folgas, exceto
quando nos preocupamos com os erros que os outros estão cometendo.
É muito mais fácil e muito mais atraente zombar dos "pecados"
dos outros, do que concentrar-nos em superar nossos próprios
demônios, e penso que em algum ponto isso acabou se tornando um tema
mais proeminente na prática espiritual do que autorreflexão e
autodesenvolvimento. O pecado passou a significar julgamento, ao
invés de crescimento pessoal.
Conheça seus pecados
Todas as religiões têm sua lista de pecados. Há certos
comportamentos que parecem ser insensatos – universalmente – para
qualquer um que não goste de sofrimento. Ganância, preguiça,
inveja, luxúria, raiva e assim por diante. Você sabe o que são. E
eles são reais, geralmente. A maioria das pessoas é propensa a
machucar a si e aos outros por entregar-se à ganância, inveja,
luxúria, gula ou os outros.
O problema é que eles são muito genéricos e não existe um
ponto claro no qual se possa aplicá-los ao seu comportamento. Quando
vou a qualquer lugar onde há um monte de pessoas num dia quente de
verão, eu verei dúzias de belas mulheres vestindo blusinhas e minissaias. Eu experimentarei sentimentos de luxúria. Estou pecando?
Estou ferindo a mim ou a outros? Onde está o perigo? O que eu
deveria fazer?
Talvez haja algum perigo aí (especialmente se houver uma
barraquinha vendendo cerveja). Eu poderia fazer alguém se sentir
desconfortável ou inseguro, olhando para seu decote. Eu poderia
pisar nos calos de alguém, caso flertasse com uma mulher
já comprometida. Eu poderia perder o juízo e me entregar a um encontro sexual
impulsivo que causaria um sofrimento enorme para minha namorada ou
esposa. Fica claro que vale a pena reconhecer a força que sentimentos
lascivos têm, pois isso lhe permite evitar danos que podem ser
causados em decorrência deles.
Mas, se um pecado é descrito para mim por um livro sagrado como
simplesmente "Luxúria", não há forma de eu saber como
proceder, uma vez que o perigo parece estar em todo lugar. Em algumas
culturas, os homens insistem que as mulheres não possam exibir seus
corpos, pois, se o fizerem, estarão provocando comportamentos
pecadores. Portanto elas devem vestir sacos de pano.
Isto é insano e é o que ocorre quando a ideia de pecado deixa a
esfera da responsabilidade e reflexão pessoais, passando a uma
instância de dogma – onde toda reflexão sobre o por que
é considerada como já tendo sido tratada há séculos. A autoavaliação sobre como se deve viver jamais deveria ser
considerada "finalizada".
"Reconhecer meus pecados", neste
caso, pode significar estar ciente de que flertar com alguém pode
não representar perigo, mas sexo sem proteção é definitivamente
algo que possibilita ferir a mim ou a outros. Se eu pratiquei tal
transgressão no passado, devo pensar sobre onde exatamente eu posso
sentir a tentação de pecar e sobre o que fazer para evitar isso.
Os pecados aos quais cada um de nós está suscetível são
diferentes. Para você, pode ser apertar o botão "soneca" nove
vezes e não ir meditar de manhã. Para mim, pode ser visitar
o Reddit enquanto tomo meu café da manhã, ao invés de preparar
um almoço para levar ao trabalho.
Cada pecado tem uma hora da verdade, na qual você tem uma chance
de se salvar. Ao invés de apertar o botão "soneca" pela segunda
vez, você se senta e coloca os pés no chão, antes que o Diabo
assuma o controle. Ao invés de clicar em mais um link
interessante/enfurecedor, eu fecho a tela do laptop e vou pegar o
tupperware.
Eu não estou sugerindo que você se sente e comece
a inventariar todos os seus pecados, depois faça uma lista dos "Dezesseis pecados capitais do Fred Smith". Você precisará ser
capaz de reconhecê-los conforme forem acontecendo. Você deve saber identificar aquele momento em que você pode fazer a coisa
errada, novamente.
Você precisa descobrir como agir de
forma diferente. Assim que descobrir, para colocar em prática, só
precisa mover seu corpo, ainda que não seja o que você quer fazer.
Sente-se, coloque os pés no chão.
Saber o que seu corpo deve fazer neste momento é crucial. Então
você só tem que se atirar de corpo nisso e deixar para trás aquele
momento de tentação, ou então o Diabo encarnará em você. Na hora
da verdade, quando percebo que estou tentando me convencer a adiar
minha ginástica, eu sei que preciso tirar as calças, afastar a mesa
do café, pegar o kettlebell
e começar o aquecimento.
Mexa seu corpo antes que o Diabo o faça e nunca deixe que ele o
convença de que você não é um pecador também.
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