segunda-feira, 18 de junho de 2012

Por que f*demos

Um pensador profissional chamado Thomas Hobbes manteve por muito tempo em nossas cabeças a ideia de que nossos ancestrais foram pessoas patéticas, solitárias e medianas.
Um século e meio depois, Hobbes ainda é reverenciado por sua inteligência, ainda que sua fama estará para sempre mais ligada a sua infeliz afirmação de que a vida do homem pré-histórico era "solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta".
Atualmente, apenas poucos cientistas continuam empunhando a bandeira do "embrutecida e curta". Mesmo que a imagem do homem das cavernas paranoico, mudo, violento e solitário ainda persista na cultura pop (e algumas vezes em postagens mais antigas deste blog), há poucas evidências que apoiam esta linha de pensamento.
Já sabemos que o ser humano sempre foi uma criatura altamente social e foi esta característica que definiu a força de nossa espécie. Sabemos que os humanos foram nômades por praticamente toda sua existência, vagando em grupos de 50 a 150 indivíduos. Ao invés de estressados, violentos e solitários, eles provavelmente eram calmos, pacíficos e intensamente sociáveis a maior parte do tempo.
Afastar-se do homem das cavernas saqueador de Hobbe é mais uma daquelas fabulosas "quebras de paradigma" que acontecem às vezes na ciência, e que viram tudo de cabeça para baixo por algumas décadas (ou séculos, se houver igrejas envolvidas), até que estejamos todos na mesma página novamente – lembre-se de Copérnico e sua ideia absurda de que "a Terra não é o centro do universo".
Interessantemente, como consequência desta reformulação sobre a qualidade de vida na pré-história, está ficando claro que, durante toda a existência humana, exceto a fatia mais recente, os seres humanos foram não-monogâmicos. Os adultos aparentemente não formavam pares exclusivos de casais, como todos nossos livros ditam. Eles não se limitavam a ter filhos com um único parceiro, como a maioria das pessoas faz (ou tenta fazer, ou pensa que devem tentar fazer) hoje em dia.
Nossos parentes mais próximos, chimpanzés e bonobos, são ambos altamente "promíscuos", de acordo com os padrões predominantes da sociedade humana atual. Conforme o psicólogo evolucionário e autor Christopher Ryan, em seu livro Sex At Dawn (Sexo ao amanhecer):
Se você passar algum tempo com os primatas mais próximos dos seres humanos, verá fêmeas chimpanzés tendo dúzias de relações sexuais diariamente, com a maioria ou todos os machos dispostos, e sexo grupal desenfreado entre bonobos, deixando todos relaxados e sustentando suas complexas relações sociais.
Ryan reuniu uma montanha de evidências que dificultam encontrarmos razões convincentes para que continuemos sustentando a ideia de que somos biologicamente orientados para monogamia. Isto simplesmente não faz muito sentido. O único primata que claramente demonstra um comportamento monogâmico é o gibão, uma criatura altamente anti-social que vive em pequenos núcleos familiares, afastados de outros gibões pelos seus enormes territórios. Eles não fazem sexo frequentemente e não aparentam fazê-lo por diversão.
A visão obscura de Hobbe sobre nossos ancestrais tem sido largamente desbancada por todos os campos do mundo antropológico, mesmo os que têm uma opinião fortemente diferente em outros assuntos. Sabemos que eles provavelmente não viviam em ambientes altamente competitivos e orientados à escassez, e que tinham mais tempo dedicado ao lazer do que nós temos.
E sabemos que eles faziam muito sexo picante. Provavelmente mais do que você. Eles definitivamente não eram como os puritanos que surgiram nos últimos séculos, introduzindo cintos de castidade, envolvimento religioso e uma atitude vergonhosa em relação ao sexo.

Por que fazíamos tanto sexo assim?

Antes de mais nada, nós ainda fazemos. Apenas estamos muito mais desatentos a respeito. E não surpreenderia ninguém que a razão primária pela qual fazemos sexo não seja procriar. Fazemos porque nos faz sentir bem física e emocionalmente. Mais especificamente, nos permite compartilhar algo extremamente íntimo com outro ser humano. Na maioria das vezes, estamos definitiva e expressamente tentando não fazer um filho.
De todas as suas experiências sexuais, quantas delas ocorreram simplesmente porque você queria fazer um bebê? A vasta maioria das pessoas usa contraceptivos. Tentamos minimizar a produção de bebês, mas ainda estamos altamente interessados em sexo, o que torna claro que o sexo obviamente tem outro propósito extremamente atraente para os humanos.
Este propósito é de nos aproximar, concretizar laços sociais. Tendo um cérebro grande e um corpo relativamente fraco – um babuíno de 36kg pode despedaçar um homem de 90kg –, o que manteve os humanos vivos por centenas de milhares de anos foi a grande força de seus laços interpessoais.
Que outras espécies se entristecem e se tornam impotentes por tanto tempo, quando perdem um parente ou companheiro? Que outras espécies necessitam de uma década ou duas de atenção constante, para que consigam criar uma criança saudável e independente? Que outra criatura pode perder o controle completamente ao encarar nos olhos um companheiro próximo?
Nós nos vinculamos intensamente, talvez como nenhuma outra criatura jamais o tenha feito. E sexo, em especial o cara-a-cara, pode criar grandes ápices em termos de vínculo íntimo. Nós perdemos nossas pretensões. De uma forma hiper-íntima, ficamos nus para a outra pessoa, externa e internamente ao mesmo tempo.

Antes do "meu" e "seu"

Pense em como seria viver sua vida inteira em um grupo social de cem pessoas. Você conheceria todos bem rápido, e desenvolveria relações com eles durante décadas. Dissidentes e arruaceiros se regenerariam rapidamente ou seriam desprezados – os ciumentos e possessivos também seriam uma responsabilidade muito grande para o grupo todo.
Os seres humanos nunca conseguiram viver sozinhos. Até mesmo hoje, o maior dos medos humanos é de ser banido ou abandonado, pois, por centenas de milhares de anos, isto significou a morte. No mundo civilizado, onde sempre existe outro emprego, sempre existe outro círculo de amigos por aí, rejeição não significa morte, mas emocionalmente ainda é uma experiência devastadora para a maioria de nós.
Notavelmente, não havia a noção de propriedade privada, de "meu" versus "seu". Isto pode ser observado em muitas das tribos de caçadores-coletores remanescentes até hoje, nas quais esconder ou estocar qualquer coisa é visto como flagrante de um delito por toda comunidade.
O comportamento possessivo não era tolerado ou mesmo entendido, portanto a ideia de exclusividade sexual era simplesmente tão absurda e ofensiva para com os outros quanto armazenar comida. É claro que é normal e saudável para seres humanos, se sentirem atraídos por múltiplas pessoas, e nossos ancestrais não teriam encontrado muitas razões para restringir suas atividades íntimas a um companheiro único.
Fêmeas acasalando com múltiplos machos evidenciavam que nenhum macho poderia ter certeza absoluta sobre qual criança era geneticamente sua. Não havia teste de paternidade e todos eram parentes tão próximos que não havia características suficientes nas crianças para distingui-las, tais como cor de cabelo ou dos olhos.
Pense por um momento no significado disso: é como se, durante a maior parte da existência humana, não fosse normal para um homem saber quais crianças eram de fato suas.
Para a sobrevivência do grupo, isso era bom. Antes de tudo, significava que os machos não matariam crianças filhas de outros machos (como ocorre em algumas espécies). Porém, mais importante, significava que todo adulto sentia-se responsável por cuidar de todas as crianças do grupo. As fêmeas amamentavam crianças de outras mulheres, e nenhum homem tinha motivos para ver uma criança como "sua" e outra como "não sua". Todas as crianças eram vulneráveis, todas precisavam de alimento e proteção e amor, e a sobrevivência do grupo dependia da sobrevivência das crianças, independentemente da sua paternidade. Paternidade incerta, como dizem os biólogos, manteve os grupos caçadores-coletores unidos e mais suscetíveis a sobreviver do que seriam, se tivessem se fragmentado em núcleos familiares com preferências claras sobre quem deveria receber mais ajuda.
Portanto, o resultado de uma cultura sexual que as pessoas modernas poderiam chamar de "promíscua" foi que o grupo inteiro era uma enorme família, com uma evidente ausência de alienação, possessividade e competição, se comparado com a nossa forma atual de interação com os outros.

Por que tudo mudou?

Diante de nossos olhos, normas sociais estão mudando. A maioria das pessoas não suspira e cochicha mais ao ver casais inter-raciais. O presidente dos EUA apoiou oficialmente o casamento gay. Hotéis não exigem mais que você seja casado para alugar um quarto com alguém do sexo oposto. O normal muda, e pode mudar rápido.
A monogamia continua a ser aceita pela maioria como "o jeito das coisas serem" entre os seres humanos, em regra geral. Ela está certamente prescrita como algo inegociável na Bíblia e em outros textos religiosos. Mas as relações humanas datam de muito antes deles.
Há mais ou menos dez mil anos atrás, as pessoas descobriram como se estabelecer. Ao invés de vagarem em busca de alimento, elas começaram a cultivar sua própria comida em um mesmo local, ano após ano. Isto causou diversas mudanças imediatamente no mundo todo.
Pela primeira vez, as pessoas podiam ficar em um mesmo lugar. A comida podia ser armazenada e acumulada. Assentamentos tornaram-se permanentes. A população explodiu e as pessoas passaram a viver mais juntas. Moedas foram implementadas. Instituições sociais se formaram: igrejas, leis, forças armadas.
Pela primeira vez, riqueza pode ser acumulada. Uma pessoa podia acumular muitas vezes mais recursos que outra. Nunca antes houve uma forma de alguém se tornar vastamente mais poderoso do que outro, pois grupos nômades só podiam carregar o necessário e procuravam novas pastagens quando os recursos diminuíam. O excesso era inútil.
Mas então todos viram que não havia limites para a acumulação e que, quanto mais acumulavam, mais seguros ficavam. Então ninguém mais sentia que já tinha o bastante – havia sempre o desejo de ter mais. Combine isso com com o crescimento populacional disparando e a competição por recursos se tornou a nova regra.
Isto mudou completamente a dinâmica social entre os seres humanos, em todas as escalas. A existência humana rapidamente passou de um ambiente de abundância para um ambiente de escassez. Grandes desequilíbrios de força e privilégio tiveram início, quando antes eram impossíveis, e eles continuaram a se espalhar pelos últimos dez mil anos.
O que isso tem a ver com sexo?
A maior mudança que a agricultura causou foi fazer com que determinadas pessoas se prendessem a determinadas áreas de terra. A noção de propriedade se tornou crucial pela primeira vez. Quem quisesse sobreviver, ao invés de contribuir para um grupo coeso e autossuficiente, tinha que garantir o direito de trabalhar em determinada área de terras, possivelmente em detrimento dos interesses competitivos de outros. Esta pessoa teria que contribuir como uma fração de uma economia maior e impessoal. Sua vida dependia da sua habilidade para fazer isso.
De forma semelhante com o que ocorre hoje em dia, quando um fazendeiro morria, outros queriam a terra, e a questão de quem teria o direito legal sobre ela tinha que ser resolvida. O procedimento mais intuitivo era que o filho do fazendeiro a herdasse.
Então, pela primeira vez, tornou-se absolutamente necessário para o homem, saber que seus filhos eram seus. Numa época anterior à existência de testes de paternidade e controle de natalidade, só havia um meio do homem ter esta certeza:
Ele precisava estar 100% certo de que sua mulher nunca, jamais fizera sexo com qualquer outro homem.
A partir daí o homem passou a controlar a terra por meio do controle da sexualidade da mulher, e o novo "normal" esculpido por esta tendência econômica permanece como nosso modelo primário até hoje: monogamia sexual. Para se garantirem economicamente, os homens necessitavam de virgens e não toleravam qualquer sinal de não-monogamia. A fidelidade foi fortificada por contratos sociais viciados, incluindo ditames religiosos e crenças culturais, pelas quais as mulheres eram humilhadas, apedrejadas ou pior do que isso, até mesmo por expressarem o desejo de ir para cama com outro homem.
Isto foi o início de uma cultura de desigualdade e repressão sexual com a qual nós, infelizmente, continuamos acostumados. Até mesmo em sociedades progressistas, mulheres que queiram ter diversos parceiros sexuais são frequentemente taxadas de vadias, por ambos os sexos. Homens não são vistos da mesma forma.
Por séculos debateu-se – no meio acadêmico masculino, é claro – se as mulheres poderiam sentir algum prazer no sexo. O consenso no meio acadêmico era de que o sexo era algo voltado apenas aos homens, e era uma mera conveniência para que as mulheres pudessem ter a única coisa que realmente desejam: filhos.
Então parece que a monogamia é um fenômeno cultural que se originou da economia em todos os lugares. Não há necessariamente algo intrinsecamente errado com isso, mas observando os índices de divórcio, não se pode pensar em outra coisa a não ser que isso é um buraco redondo, enquanto os humanos – pelo menos biologicamente – carregam blocos quadrados.
É sabido que na América do Norte, a maioria dos casamentos termina em divórcio, e não por morte, e a maioria dos casamentos inclui infidelidade. Casamentos sem sexo são comuns, mesmo que não seja rotina falar sobre isso.
Ainda estamos nos recuperando de pressões culturais asininas de longa data, que nos dizem que não podemos ter muitos parceiros sexuais, não podemos ser gays, não podemos ser filhos de mãe ou pai solteiros, não podemos fazer sexo grupal sem sermos vistos como pessoas estranhas ou hippies, não podemos ter dois parceiros ao mesmo tempo sem que isso seja traição, e não podemos decidir não ter filhos sem sermos hedonistas egocêntricos.
Felizmente, os famosos estudos de Kinsey, publicados após a guerra, revelaram ao mundo o que ele sempre temia e sabia: que todo mundo estava fazendo tudo o tempo todo, mas apenas não deixando à vista. As pessoas estavam fazendo sexo oral, sexo anal, sexo fora do casamento, sexo grupal, sexo com acessórios, sexo com as próprias mãos e dedos, sexo gay, sexo dress-up, sadomasoquismo e, às vezes, não fazendo sexo.
A variedade e o volume de gostos e prazeres sexuais eram enormes, na realidade, mas publicamente todos apresentavam a mesma faxada: relacionamentos monogâmicos, tementes a Deus e modestos.

De onde vem o normal?

No dia em que nascemos, cada um de nós abre seus olhos e começa a construir um mundo que nos parece "normal". Ele é construído do zero, experiência por experiência, e o que construímos depende de um lance de dados sobre onde nascemos e quando. Então o que consideramos "o jeito que as coisas são" pode ser apenas o jeito como elas têm sido por uns poucos séculos, ou até mesmo décadas e apenas localmente.
Nós temos a tendência de projetar nosso próprio "normal" atrás e adiante no tempo e na vida de milhões de pessoas, considerando muitas pessoas como equivocadas no processo. Ironicamente nos referimos a estas práticas relativamente recentes e a estas regras sociais – das quais a monogamia é apenas uma – como "tradições" e qualquer desvio delas equivale a trair o que é natural. Noventa e nove porcento da existência humana ocorreu antes das formas "tradicionais" sequer existirem.
Eu sei que algumas pessoas que estão lendo não fazem ideia de onde quero chegar com isso ou por que estou abordando monogamia, mas eu sei que muitas pessoas por aí estão acenando positivamente com a cabeça. Deve haver um motivo muito bom para ser tão difícil fazer as coisas funcionarem do jeito "tradicional". O que é tradicional na sua cultura pode colidir fortemente com a sua constituição biológica e emocional.
Eu estive em relacionamentos onde jamais esperavam que eu demonstrasse achar outra mulher atraente. Expor esta verdade era, de alguma forma, errado e ofensivo para minha parceira. Ainda assim, esta é a verdade mais básica e óbvia da sexualidade humana – que sentimos desejo por mais de uma pessoa ao longo de nossas vidas. Mesmo assim, de alguma forma, a perspectiva normal é que a coisa certa a fazer é esconder isso da pessoa que você supostamente mais ama.
Pense em quantas pessoas sofreram das piores dores de coração, só porque não aceitaram esta realidade básica. Se isso for normal, pode ser uma boa razão para não ser normal.
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Esta é uma tradução livre do artigo de David Cain, no Raptitude.
Fotos de sinabeet e GulinKopec.

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