
Um pensador profissional chamado Thomas Hobbes manteve por muito tempo em nossas cabeças a ideia de que nossos ancestrais foram pessoas patéticas, solitárias e medianas.
Um século e meio depois, Hobbes ainda é reverenciado por sua inteligência, ainda que sua fama estará para sempre mais ligada a sua infeliz afirmação de que a vida do homem pré-histórico era "solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta".
Atualmente, apenas poucos cientistas continuam empunhando a bandeira do "embrutecida e curta". Mesmo que a imagem do homem das cavernas paranoico, mudo, violento e solitário ainda persista na cultura pop (e algumas vezes em postagens mais antigas deste blog), há poucas evidências que apoiam esta linha de pensamento.
Já sabemos que o ser humano sempre foi uma criatura altamente social e foi esta característica que definiu a força de nossa espécie. Sabemos que os humanos foram nômades por praticamente toda sua existência, vagando em grupos de 50 a 150 indivíduos. Ao invés de estressados, violentos e solitários, eles provavelmente eram calmos, pacíficos e intensamente sociáveis a maior parte do tempo.
Afastar-se do homem das cavernas saqueador de Hobbe é mais uma daquelas fabulosas "quebras de paradigma" que acontecem às vezes na ciência, e que viram tudo de cabeça para baixo por algumas décadas (ou séculos, se houver igrejas envolvidas), até que estejamos todos na mesma página novamente – lembre-se de Copérnico e sua ideia absurda de que "a Terra não é o centro do universo".
Interessantemente, como consequência desta reformulação sobre a qualidade de vida na pré-história, está ficando claro que, durante toda a existência humana, exceto a fatia mais recente, os seres humanos foram não-monogâmicos. Os adultos aparentemente não formavam pares exclusivos de casais, como todos nossos livros ditam. Eles não se limitavam a ter filhos com um único parceiro, como a maioria das pessoas faz (ou tenta fazer, ou pensa que devem tentar fazer) hoje em dia.
Nossos parentes mais próximos, chimpanzés e bonobos, são ambos altamente "promíscuos", de acordo com os padrões predominantes da sociedade humana atual. Conforme o psicólogo evolucionário e autor Christopher Ryan, em seu livro Sex At Dawn (Sexo ao amanhecer):
Se você passar algum tempo com os primatas mais próximos dos seres humanos, verá fêmeas chimpanzés tendo dúzias de relações sexuais diariamente, com a maioria ou todos os machos dispostos, e sexo grupal desenfreado entre bonobos, deixando todos relaxados e sustentando suas complexas relações sociais.
Ryan reuniu uma montanha de evidências que dificultam
encontrarmos razões convincentes para que continuemos sustentando a
ideia de que somos biologicamente orientados para monogamia. Isto
simplesmente não faz muito sentido. O único primata que claramente
demonstra um comportamento monogâmico é o gibão, uma criatura
altamente anti-social que vive em pequenos núcleos familiares,
afastados de outros gibões pelos seus enormes territórios. Eles não
fazem sexo frequentemente e não aparentam fazê-lo por diversão.
A
visão obscura de Hobbe sobre nossos ancestrais tem sido largamente
desbancada por todos os campos do mundo antropológico, mesmo os que
têm uma opinião fortemente diferente em outros assuntos. Sabemos
que eles provavelmente não viviam em ambientes altamente
competitivos e orientados à escassez, e que tinham mais tempo
dedicado ao lazer do que nós temos.
E sabemos que eles faziam
muito sexo picante. Provavelmente mais do que você. Eles
definitivamente não eram como os puritanos que surgiram nos últimos
séculos, introduzindo cintos de castidade, envolvimento religioso e
uma atitude vergonhosa em relação ao sexo.
Por que fazíamos tanto sexo assim?
Antes de mais nada, nós ainda fazemos. Apenas estamos muito mais
desatentos a respeito. E não surpreenderia ninguém que a razão
primária pela qual fazemos sexo não seja procriar.
Fazemos porque nos faz sentir bem física e emocionalmente. Mais
especificamente, nos permite compartilhar algo extremamente íntimo
com outro ser humano. Na maioria das vezes, estamos definitiva e
expressamente tentando não fazer
um filho.
De
todas as suas experiências sexuais, quantas delas ocorreram
simplesmente porque você queria fazer um bebê? A vasta maioria das
pessoas usa contraceptivos. Tentamos minimizar a produção de bebês,
mas ainda estamos altamente interessados em sexo, o que torna claro
que o sexo obviamente tem outro propósito extremamente atraente para
os humanos.
Este propósito é de nos aproximar,
concretizar laços sociais. Tendo um cérebro grande e um corpo
relativamente fraco – um babuíno de 36kg pode despedaçar um homem
de 90kg –, o que manteve os humanos vivos por centenas de milhares
de anos foi a grande força de seus laços interpessoais.
Que
outras espécies se entristecem e se tornam impotentes por tanto
tempo, quando perdem um parente ou companheiro? Que outras espécies
necessitam de uma década ou duas
de
atenção constante, para que consigam criar uma criança saudável e
independente? Que outra criatura pode perder o controle completamente
ao encarar nos olhos um companheiro próximo?
Nós
nos vinculamos intensamente, talvez como nenhuma outra criatura
jamais o tenha feito. E sexo, em especial o cara-a-cara, pode criar
grandes ápices em termos de vínculo íntimo. Nós perdemos nossas
pretensões. De uma forma hiper-íntima, ficamos nus para a outra
pessoa, externa e internamente ao mesmo tempo.
Antes do "meu" e "seu"
Pense em como seria viver sua vida inteira em um grupo social de
cem pessoas. Você conheceria todos
bem
rápido, e desenvolveria relações com eles durante décadas.
Dissidentes e arruaceiros se regenerariam rapidamente ou seriam
desprezados – os ciumentos e possessivos também seriam uma
responsabilidade muito grande para o grupo todo.
Os
seres humanos nunca conseguiram viver sozinhos. Até mesmo hoje, o
maior dos medos humanos é de ser banido ou abandonado, pois, por
centenas de milhares de anos, isto significou a morte. No mundo
civilizado, onde sempre existe outro emprego, sempre existe outro
círculo de amigos por aí, rejeição não significa morte, mas
emocionalmente ainda é uma experiência devastadora para a maioria
de nós.
Notavelmente, não havia a noção de propriedade
privada, de "meu" versus "seu". Isto pode ser observado em
muitas das tribos de caçadores-coletores remanescentes até hoje,
nas quais esconder ou estocar qualquer coisa é visto como flagrante
de um delito por toda comunidade.

O
comportamento possessivo não era tolerado ou mesmo entendido,
portanto a ideia de exclusividade sexual era simplesmente tão
absurda e ofensiva para com os outros quanto armazenar comida. É
claro que é normal e saudável para seres humanos, se sentirem
atraídos por múltiplas pessoas, e nossos ancestrais não teriam
encontrado muitas razões para restringir suas atividades íntimas a
um companheiro único.
Fêmeas acasalando com múltiplos machos evidenciavam
que nenhum macho poderia ter certeza absoluta sobre qual criança era
geneticamente sua. Não havia teste de paternidade e todos eram
parentes tão próximos que não havia características suficientes
nas crianças para distingui-las, tais como cor de cabelo ou dos
olhos.
Pense por um momento no significado disso: é como se,
durante a maior parte da existência humana, não fosse normal para
um homem saber quais crianças eram de fato suas.
Para a sobrevivência do
grupo, isso era bom. Antes de tudo, significava que os machos não
matariam crianças filhas de outros machos (como ocorre em algumas
espécies). Porém, mais importante, significava que todo adulto
sentia-se responsável por cuidar de todas as crianças do grupo. As
fêmeas amamentavam crianças de outras mulheres, e nenhum homem
tinha motivos para ver uma criança como "sua" e outra como "não
sua". Todas as crianças eram vulneráveis, todas precisavam de
alimento e proteção e amor, e a sobrevivência do grupo dependia da
sobrevivência das crianças, independentemente da sua paternidade.
Paternidade incerta, como dizem os biólogos, manteve os grupos
caçadores-coletores unidos e mais suscetíveis a sobreviver do que
seriam, se tivessem se fragmentado em núcleos familiares com
preferências claras sobre quem deveria receber mais ajuda.
Portanto,
o resultado de uma cultura sexual que as pessoas modernas poderiam
chamar de "promíscua" foi que o grupo inteiro era uma enorme família, com uma evidente ausência de alienação, possessividade e
competição, se comparado com a nossa forma atual de interação com
os outros.
Por que tudo mudou?
Diante
de nossos olhos, normas sociais estão mudando. A maioria das pessoas
não suspira e cochicha mais ao ver casais inter-raciais. O
presidente dos EUA apoiou oficialmente o casamento gay. Hotéis não
exigem mais que você seja casado para alugar um quarto com alguém
do sexo oposto. O normal muda, e pode mudar rápido.
A monogamia
continua a ser aceita pela maioria como "o jeito das coisas serem"
entre os seres humanos, em regra geral. Ela está certamente
prescrita como algo inegociável na Bíblia e em outros textos
religiosos. Mas as relações humanas datam de muito antes deles.
Há
mais ou menos dez mil anos atrás, as pessoas descobriram como se
estabelecer. Ao invés de vagarem em busca de alimento,
elas começaram a cultivar sua própria comida em um mesmo local, ano
após ano. Isto causou diversas mudanças imediatamente no mundo
todo.
Pela primeira vez, as pessoas podiam ficar em um mesmo
lugar. A comida podia ser armazenada e acumulada. Assentamentos
tornaram-se permanentes. A população explodiu e as pessoas passaram
a viver mais juntas. Moedas foram implementadas. Instituições
sociais se formaram: igrejas, leis, forças armadas.
Pela primeira
vez, riqueza pode ser acumulada. Uma pessoa podia acumular muitas
vezes mais recursos que outra. Nunca antes houve uma forma de alguém
se tornar vastamente mais poderoso do que outro, pois grupos nômades
só podiam carregar o necessário e procuravam novas pastagens quando
os recursos diminuíam. O excesso era inútil.
Mas então todos
viram que não havia limites para a acumulação e que, quanto mais
acumulavam, mais seguros ficavam. Então ninguém mais sentia que já
tinha o bastante – havia sempre o desejo de ter mais. Combine isso
com com o crescimento populacional disparando e a competição por
recursos se tornou a nova regra.
Isto mudou completamente a
dinâmica social entre os seres humanos, em todas as escalas. A
existência humana rapidamente passou de um ambiente de abundância
para um ambiente de escassez. Grandes desequilíbrios de força e
privilégio tiveram início, quando antes eram impossíveis, e eles
continuaram a se espalhar pelos últimos dez mil anos.
O que isso
tem a ver com sexo?
A maior mudança que a agricultura causou foi
fazer com que determinadas pessoas se prendessem a determinadas áreas
de terra. A noção de propriedade
se
tornou crucial pela primeira vez. Quem quisesse sobreviver, ao invés
de contribuir para um grupo coeso e autossuficiente, tinha que
garantir o direito de trabalhar em determinada área de terras,
possivelmente em detrimento dos interesses competitivos de outros.
Esta pessoa teria que contribuir como uma fração de uma economia
maior e impessoal. Sua vida dependia da sua habilidade para fazer
isso.
De
forma semelhante com o que ocorre hoje em dia, quando um fazendeiro
morria, outros queriam a terra, e a questão de quem teria o direito
legal sobre ela tinha que ser resolvida. O procedimento mais
intuitivo era que o filho do fazendeiro a herdasse.
Então, pela
primeira vez, tornou-se absolutamente necessário para o homem, saber
que seus filhos eram seus. Numa época anterior à existência de testes de
paternidade e controle de natalidade, só havia um meio do homem ter
esta certeza:
Ele precisava estar 100% certo de que sua mulher nunca,
jamais
fizera
sexo com qualquer outro homem.
A
partir daí o homem passou a controlar a terra por meio do controle
da sexualidade da mulher, e o novo "normal" esculpido por esta
tendência econômica permanece como nosso modelo primário até
hoje: monogamia sexual. Para se garantirem economicamente, os homens
necessitavam de virgens e não toleravam qualquer sinal de
não-monogamia. A fidelidade foi fortificada por contratos sociais
viciados, incluindo ditames religiosos e crenças culturais, pelas
quais as mulheres eram humilhadas, apedrejadas ou pior do que isso,
até mesmo por expressarem o desejo de ir para cama com outro
homem.
Isto foi o início de uma cultura de desigualdade e
repressão sexual com a qual nós, infelizmente, continuamos
acostumados. Até mesmo em sociedades progressistas, mulheres que
queiram ter diversos parceiros sexuais são frequentemente taxadas de
vadias, por ambos os sexos. Homens não são vistos da mesma
forma.
Por séculos debateu-se – no meio acadêmico masculino, é
claro – se as mulheres poderiam sentir algum prazer no sexo. O
consenso no meio acadêmico era de que o sexo era algo voltado apenas aos homens, e era uma mera conveniência para que as mulheres
pudessem ter a única coisa que realmente desejam: filhos.
Então
parece que a monogamia é um fenômeno cultural que se originou da
economia
em
todos os lugares. Não há necessariamente algo intrinsecamente
errado com isso, mas observando os índices de divórcio, não se
pode pensar em outra coisa a não ser que isso é um buraco redondo,
enquanto os humanos – pelo menos biologicamente – carregam blocos
quadrados.
É
sabido que na América do Norte, a maioria dos casamentos termina em
divórcio, e não por morte, e a maioria dos casamentos inclui
infidelidade. Casamentos sem sexo são comuns, mesmo que não seja
rotina falar sobre isso.
Ainda estamos nos recuperando de pressões
culturais asininas de longa data, que nos dizem que não podemos ter
muitos parceiros sexuais, não podemos ser gays, não podemos ser
filhos de mãe ou pai solteiros, não podemos fazer sexo grupal sem
sermos vistos como pessoas estranhas ou hippies, não podemos ter
dois parceiros ao mesmo tempo sem que isso seja traição, e não
podemos decidir não ter filhos sem sermos hedonistas
egocêntricos.
Felizmente, os famosos estudos de Kinsey,
publicados após a guerra, revelaram ao mundo o que ele sempre temia
e sabia: que todo mundo estava fazendo tudo o tempo todo, mas apenas
não deixando à vista. As pessoas estavam fazendo sexo oral, sexo
anal, sexo fora do casamento, sexo grupal, sexo com acessórios, sexo
com as próprias mãos e dedos, sexo gay, sexo dress-up,
sadomasoquismo e, às vezes, não fazendo sexo.
A variedade e o volume
de gostos e prazeres sexuais eram enormes, na realidade, mas
publicamente todos apresentavam a mesma faxada: relacionamentos
monogâmicos, tementes a Deus e modestos.
De onde vem o normal?
No dia
em que nascemos, cada um de nós abre seus olhos e começa a
construir um mundo que nos parece "normal". Ele é construído do
zero, experiência por experiência, e o que construímos depende de um lance de dados sobre onde nascemos e quando. Então o que consideramos
"o jeito que as coisas são" pode ser apenas o jeito como elas
têm sido por uns poucos séculos, ou até mesmo décadas e apenas
localmente.
Nós temos a tendência de projetar nosso próprio
"normal" atrás e adiante no tempo e na vida de milhões
de pessoas, considerando muitas pessoas como equivocadas no processo.
Ironicamente nos referimos a estas práticas relativamente recentes e
a estas regras sociais – das quais a monogamia é apenas uma –
como "tradições" e qualquer desvio delas equivale a trair o que
é natural. Noventa e nove porcento da existência humana ocorreu
antes das formas "tradicionais" sequer existirem.
Eu sei que
algumas pessoas que estão lendo não fazem ideia de onde quero
chegar com isso ou por que estou abordando monogamia, mas eu sei que
muitas pessoas por aí estão acenando positivamente com a cabeça.
Deve haver um motivo muito bom para ser tão difícil fazer as coisas
funcionarem do jeito "tradicional". O que é tradicional na sua
cultura pode colidir fortemente com a sua constituição biológica e
emocional.
Eu estive em relacionamentos onde jamais esperavam que
eu demonstrasse achar outra mulher atraente. Expor esta verdade era,
de alguma forma, errado e ofensivo para minha parceira. Ainda assim,
esta é a verdade mais básica e óbvia da sexualidade humana – que
sentimos desejo por mais de uma pessoa ao longo de nossas vidas.
Mesmo assim, de alguma forma, a perspectiva normal é que a coisa
certa a fazer é esconder isso da pessoa que você supostamente mais
ama.
Pense em quantas pessoas sofreram das piores dores de
coração, só porque não aceitaram esta realidade básica. Se isso
for normal, pode ser uma boa razão para não ser normal.
Fotos de sinabeet e GulinKopec.
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