segunda-feira, 2 de junho de 2014

O que é, na verdade, a paz interior

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Se você é alguém que lê livros ou blogs sobre bem-estar ou espiritualidade, uma ideia com a qual você vai se deparar frequentemente é a da existência de um pano de fundo de paz ou silêncio por trás de tudo, e as pessoas atentas podem "se conectar" ou "vibrar" com ele ou não experimentá-lo.
Isso é suficiente para disparar o "alarme anti-bobagem" de muitas pessoas, porque sugere algum tipo de benevolência ou personalidade nos bastidores do universo.
Mas, na minha experiência, há definitivamente algo a respeito desta noção. Eu encontro essa "paz interior" regularmente, e não parece importar muito o que está acontecendo em primeiro plano. Quando eu estou chateado ou então desatento, geralmente não a encontro (nem mesmo me lembro de procurá-la). Quando, ao contrário, eu a encontro, geralmente está por trás de uma cena de rua movimentada, na forma de um parque tranquilo.
Acredito que o status de "estar lá fora", na ideia da "paz como pano de fundo", é apenas mais um exemplo de maluquice por associação — muitas pessoas que falam sobre isso também podem falar com naturalidade sobre cura através de cristais e comunhão com árvores, e a pessoa cética acaba vendo isso como "mais do mesmo". Muitas ideias úteis provavelmente acabam ignoradas em função disso.
Mas não há nenhuma razão para encarar isso como um fato sobrenatural. É apenas uma mudança na nossa maneira de observar, semelhante à forma como podemos alternar entre perceber o enredo de uma novela e as palavras impressas em suas páginas.
Lembro-me de estar num carro em algum lugar com três amigos, e dois deles estavam em uma discussão acalorada. Eu podia sentir que estava ficando perturbado com a raiva e o ruído crescentes, conforme eles continuavam. Todos nós já vivemos esse tipo de caos contagioso ao ouvir uma notícia violenta na TV ou no rádio, ou apenas por estar perto de pessoas vingativas. Perturbações no mundo ao seu redor tendem a agitar as coisas, de forma correspondente, dentro de você.
Mas então algo mudou na minha percepção e eu senti esta ligação se dissolver. Eu voltei a estar em sintonia com o quão calmo ou quieto tudo estava antes dos meus amigos começarem a discussão, porque aquilo parecia ainda existir ali, por trás das palavras e ruído.
Com essa anedota eu não estou tentando descrever algum momento em que minha vida tenha mudado, mas apenas citar um momento, dentre as centenas de exemplos, onde toquei este plano de fundo de paz. Às vezes ele me encontra por acaso, mas mais frequentemente eu o encontro, porque acontece naquele momento em que procuro por ele.
Por que, no fundo, haveria paz? Porque, para que qualquer coisa aconteça (incluindo coisas não pacíficas), deve haver um espaço para que esta coisa aconteça, e espaço é intrinsecamente desprovido de conflitos. Por exemplo, o ruído exige silêncio para que possa surgir e passar. Não importa o quanto de ruído acontece em primeiro plano, não poderia ser ruído, se não tivesse anteriormente o silêncio como sua tela de fundo.
O espaço no qual nossa vida acontece continua presente, independentemente do que acontece nele. Parece haver paz neste espaço, e parece que podemos percebê-la às vezes, quando prestamos atenção.
E eu certamente não sou o primeiro a falar sobre isso. Zen é cheio de referências ao som de uma mão batendo palmas, o córrego da montanha distante, o silêncio de onde todo o som surge — todos são apontadores estilizados para o pano de fundo vazio e pacífico de toda experiência. Eckhart Tolle (que pode ou não disparar seu alarme anti-besteira) dedica um capítulo a ele em A Nova Terra (The New Earth, em inglês), embora eu não soubesse do que ele estava falando quando o li pela primeira vez. Fãs da Bíblia citam "A paz que excede todo o entendimento", em Filipenses 4:7¹ (mas eles naturalmente atribuem essa qualidade ao poder de Deus, o que impede sua consideração pelo público não religioso).
Este é um grande tema, em particular nos círculos de meditação, tanto nos seculares quanto nos religiosos, porque na meditação ele torna-se óbvio. É comum fazer com que soe como algo místico, mas independentemente de suas crenças, você não pode meditar por muito tempo sem perceber que há algum tipo de plano de fundo, ou espaço, no qual todos os fenômenos acontecem. Você pode percebê-lo da mesma forma que percebe as coisas que estão nele.

Você sempre esteve no espaço

Tendemos usar a palavra espaço para nos referirmos a lugares onde as coisas não são — lugares onde há espaço para outra mesa de canto ou outro veículo ou outro compromisso — mas isso apenas atesta a nossa completa preocupação com as coisas e formas em nossas vidas, e nossa quase completa cegueira a respeito do espaço no qual elas todas estão acontecendo.
Nós imaginamos que temos de deixar a atmosfera para estarmos de fato "no espaço", mas o espaço é aqui embaixo também. Ainda está presente, não importa se há algo nele ou não.
Pense nisso desta maneira: quando um planeta voa através do espaço em seu caminho ao redor do sol, o espaço não tem que "sair da frente", fluindo ao redor do planeta, da mesma forma que o ar deve fluir em torno de um avião. O planeta pode simplesmente ir diretamente através do espaço. Espaço e matéria não entram em conflito. Eles podem estar no mesmo lugar ao mesmo tempo, e de fato não poderia existir nenhum planeta ou avião, ou ar — ou, também neste sentido, discussões em carros, ou qualquer outra coisa em sua vida — sem espaço para que essas coisas pudessem habita-lo.
Então isso significa que, em todos os lugares onde há alguma coisa ou coisas, há também espaço. O espaço permeia absolutamente tudo, incluindo seu corpo, suas paredes, sua cidade, e cada cena na qual você já se encontrou.
Perceber a presença de espaço nessas cenas (e particularmente em seu corpo) é perceber uma corrente de paz. Isso faz sentido, se você pensar bem. O espaço é intrinsecamente pacífico. Ele não tem forma, e por isso não fica no caminho de qualquer coisa ou conflita com qualquer coisa. Ele não amontoa coisas, nem mesmo torna qualquer coisa impossível. Ele nunca pode ser prejudicado por aquilo que o atravessa, e nunca se degrada, deteriora ou suja. É confiável, imparcial e acolhedor para tudo, e mesmo quando há barulho ou caos acontecendo nele, o espaço em si é absolutamente tranquilo.
Pode não parecer importante que o espaço seja sempre intrinsecamente pacífico, quando seu conteúdo não é. Tudo o que posso dizer é que há um efeito estabilizador em perceber esta eterna e acolhedora qualidade em sua experiência. Ela coloca em perspeciva o conteúdo em constante mudança, ajudando você a perceber que tudo é relativo e fugaz, além de ser também fascinante pelo simples fato de estar acontecendo.
Perceber o espaço que está presente por trás de tudo lhe dá uma estranha sensação de espaço pessoal, como de repente você tivesse mais opções. E você tem, porque você não está acostumado com esta ideia de coisas e objetos passando pelo seu espaço vizinho imediato.
Durante o verão, motocicletas barulhentas rasgam a rua do lado de fora da minha janela. Quando eu perco de vista o pano de fundo, o silêncio que está lá por trás do ruído, essas motos realmente me incomodam. Quando eu estou prestando atenção no silêncio por trás do ruído, no espaço sonoro no qual o ruído aparece, está tudo bem. Mais do que bem. Continua não sendo meu ruído favorito, mas da forma como ele vem e vai, é como se fosse bonito.
É algo difícil de transmitir, e faz você parecer um pouco falso quando tenta. Estamos tão condicionados a ver o mundo apenas em termos de suas coisas e formas, que estamos sujeitos a considerar o espaço como sem sentido ou irrelevante, ou uma questão de semântica. Algumas pessoas não vão tirar nada de útil deste artigo e isso é inevitável. Alguns de vocês vão.
É só uma questão de perceber e valorizar, ao longo do tempo , o espaço ininterrupto que permeia você e tudo ao seu redor. Estou sentado na minha mesa, e eu posso sentir o campo de espaço que se estende através do meu corpo e da sala em que eu estou, até a rua e sua multidão de verão, através dos edifícios por trás deles, e o parque atrás dos edifícios, e para além do centro da cidade. Paredes, o próprio chão, o mau tempo, motocicletas, a gritaria, a violência, os planetas e as estrelas não o dividem ou o impedem nem um pouco, e tem sido sempre assim, quer eu estivesse prestando atenção, quer não.
¹O texto original cita o versículo da Bíblia em inglês.
R
Foto de THOMAS Leuthard.
Esta é uma tradução livre do artigo de David Cain, no Raptitude, realizada por Alexandre Heitor Schmidt.

domingo, 13 de abril de 2014

Por que a maioria dos ativistas da internet não mudam mente alguma

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No Facebook, eu silenciosamente paro de seguir amigos que postam de forma raivosa sobre alguma causa, mesmo se estiverem certos. Eu não quero ser atacado pela "verdade", independente do quão verdadeira ela seja.
Eu entendo porquê eles fazem isso. Eu já fiz isso. A ignorância — sobre pesca excessiva, fábricas de filhotes, sexismo normalizado, sobre o que as vacinas podem e não podem fazer — pode ser genuinamente perigosa, e o desejo de se reduzir esta ignorância é compreensível.
Alguns conseguem fazer isso de forma cuidadosa e diplomática, e eu tenho aprendido muito destas pessoas.
Mas a maioria dos ativistas da internet deixam desprezo se infiltrar na mensagem. O ponto acaba sendo fazer com que os outros estejam errados, ao invés de tentar ajudá-los a estarem certos. Simplesmente visite virtualmente qualquer fórum de discussão ligado a alguma causa. É contraditório. É normal culpar as pessoas pela ignorância delas.
Ignorância, se realmente for isso, não é algo pelo que as pessoas possam ser tranquilamente responsabilizadas. Nós não escolhemos o que não entender, sobre o que não sermos ensinados, o que não nos darmos conta da importância.
A ignorância é cega para ela mesma. Enquanto você está tentando retificar a ignorância de alguém, é fácil esquecer que você também é ignorante, de formas que você não tem como saber.
Independente de quem você seja, tem de admitir que existem infinitas coisas sobre as quais você não sabe, e você não sabe que não sabe. Nenhum de nós está livre da ignorância. Então, em nossas tentativas de reduzir a ignorância, devemos nos aproximar dos outros como companheiros de aprendizagem, ao invés apenas apontar culpados.
A pior coisa que uma pessoa pode fazer para sua postura é entrega-la empacotada com um julgamento moral. Isto elimina efetivamente a liberdade da outra pessoa de concordar, e pode até mesmo criar um oponente comprometido com sua causa. Fazer isso com um monte de pessoas reduz completamente a receptividade do público para com a causa. Mesmo que ela seja verdadeira, quando você joga-la em alguém, ela vai rebater ao invés de aderir.
Aprender significa deixar uma crença atual ir embora, e uma pessoa precisa estar em um estado particularmente receptivo para fazer isso. Mesmo assim, a maioria das tentativas no ativismo de internet ignora abertamente as pessoas que quer (ostensivamente) educar.
Mudar mentes é um trabalho muito delicado. Deve-se tomar muito cuidado para não expressar desprezo pelas pessoas que (ainda) não vêem da sua maneira. Coloque as pessoas na defensiva e suas mentes estão fechadas até que se sintam seguras novamente. No momento em que uma discussão desencadeia uma reação defensiva, a possibilidade de aprender qualquer coisa se foi para aquela pessoa — apesar deste ponto de conflito ser onde a maioria do "ativismo" online inicia.
Esta delicadeza crucial é ameaçada pela nossa frustração com crenças que nós vemos como ignorantes. É difícil não ficar bravo com movimentos tão carente de informações como os anti-vacina, agora que estamos vendo surtos domésticos de sarampo e coqueluche.
Raiva é a resposta mais fácil, e também a mais destrutiva. O que você acha que deu início ao movimento anti-vacina? Provavelmente o mesmo tipo de raiva: "O que nos disseram estava errado e está colocando nossas crianças em risco. As pessoas precisam ficar espertas!"
Mesmo se um dos lados estiver factualmente correto — e este não é sempre o caso — quanto mais raiva for direcionada ao outro lado, menos daquelas pessoas se sentirá segura para mudar de ideia. Encurralar pessoas e contrariá-las apenas fortalece o lado oposto e a racionalização, além de alimentar a "ciência ruim", porque neste ponto, tudo se resume a troca de ruído emocional.
Este tipo de argumentação é uma abordagem quase que perfeitamente inútil para redução da ignorância. Ajudar as pessoas a entenderem algo (se isso é realmente o que o argumentador deseja) é o oposto de brigar.
O sentimento de se estar certo é algo que nos atrái extremamente. É bom estar certo e é péssimo quando estar errado. Mas a circunstância em que temos este sentimento ou não, tem pouco a ver com o quanto os fatos realmente nos apóiam, razão pela qual o vício nesta droga é tão perigoso.
Uma vez que você se prendeu ao sentimento de estar certo, ele se torna mais importante do que de fato estar certo. Todos nós já nos encontramos em meio a debates sem sentido com amigos: Crash foi um filme bom? O Bono está realmente ajudando alguém? Você pode ter percebido que, nestas discussões, não queremos que a outra pessoa exponha um bom argumento, mesmo que tal exposição pudesse nos deixar com uma postura mais inteligente do que antes. Ao invés disso, queremos que sejam feitos apontamentos estúpidos que façam com que o nosso pareça bom. Queremos muito mais que os outros estejam errados do que aprender alguma coisa.
Se você estivesse errado, gostaria que alguém lhe dissesse? Talvez, se isso fosse feito de forma privada e simpática. Fazer isso não é uma habilidade comum. Se você quer aprender como falar com as pessoas sobre qualquer coisa sem coloca-las na defensiva, o brilhante livro Nonviolent Communication (Comunicação Não-Violenta) de Marshall Rosenberg é sua Bíblia. (Na minha humilde opinião.)
É difícil ignorar a tentação de fazer alguém se sentir equivocado. Eu não sou muito bom nisso. No processo de escrita deste artigo, eu notei raiva emergindo das nas palavras várias vezes, e fiz o melhor que pude para mante-la fora do texto. Até porque meu objetivo aqui era "curar" um tipo particular de ignorância.
Este, no entanto, é sempre um terreno movediço, pois você tem que iniciar com uma crença bastante importante para si: "Eu tenho uma verdade que você não tem, e eu vou dá-la a você." Eu tentei manter pragmáticos meus objetivos aqui e não sucumbir ao impulso de atacar e ditar. Mas tenho certeza que isso ainda aparece sem que eu note.
Eu acho que estou certo, mas é possível que eu esteja sendo ignorante de forma tal que eu não entenda. E alguns podem dizer isso na seção de comentários, e novamente eu terei que monitorar minha tentação em oprimir visões contrárias com retórica. Se eu for habilidoso o suficiente, eu talvez consiga genuinamente considerar concordar com eles.
Até mesmo agora eu temo não conseguir agir assim quando tiver a chance. Sou muito bom em enrolação retórica, ou ao menos bom o suficiente para me satisfazer quando faço uso dela. O histórico de comentários deste blog é recheado de estrangulamentos verbais que eu apliquei, a maioria deles motivados pela forma como as pessoas demonstraram que não concordavam comigo. Espero que desta vez meus caluniadores sejam gentis e diplomáticos, porque esta rara forma de generosidade me dará a melhor chance possível de aprender alguma coisa.
R
Foto de MKHMARKETING.
Esta é uma tradução livre do artigo de David Cain, no Raptitude, realizada por Alexandre Heitor Schmidt.