segunda-feira, 16 de abril de 2012

Precisamos de cada pequena catástrofe

Precisamos de cada pequena catástrofe
Um dia da semana passada eu estava caminhando por uma alegre rua no Queens com uma das minhas pessoas favoritas, mas eu mal estava lá.
Eu estava estressado por uma porção de problemas iminentes, quando um pombo agressivo me tirou dos meus temores. Isso me deixou lúcido por tempo suficiente para me permitir lembrar de um peculiar e relevante fato sobre a vida.
Todo o problema que eu já tive – cada crise de palpitação, cada responsabilidade assustadora, cada quebra de confiança ou expectativa, todas as coisas que eu já achei que não conseguiria controlar – havia passado. Exceto duas ou três coisas.
Sempre foi assim. Em meus 31 anos, encontrei-me periodicamente sendo consumido por crises pessoais circundando meu emprego atual, relacionamento, problemas financeiros ou perspectivas futuras. Tem ocorrido um monte destes ultimamente, e eu estava bem no meio de um quando o pombo me assustou.
Você conhece o tipo. Eles assumem o controle da mente. As coisas parecem estar saindo dos trilhos, você se sente doente preocupando-se como as coisas irão terminar, e começa a desejar ser o seu gato, que só precisa se preocupar se irá deitar no sol agora, ou se vai comer agora e ir para o sol depois.
Algumas destas catástrofes dominaram a minha mente por semanas, algumas apenas durante uma tarde terrível, outros conseguiram arruinar alguns meses.
Eu não sei quantos destes descarrilamentos aconteceram exatamente. Talvez algumas centenas, de uns bem ruins, e talvez alguns milhares que somente me consumiram por um dia ou algo parecido. Trata-se de uma robusta coleção de horrores, um digno tempo de vida de catástrofes. Se eu tivesse documentado todos eles com a minha Nikon, a coleção faria um dramático álbum de tragédia pessoal. Premiado. Todos nós temos um. Todos eles, em qualquer idade que aconteceram, vieram com o sentimento de que a minha vida agora estaria seriamente ferida. Cada um possuía sofrimento suficiente para escurecer a visão de toda a minha vida, me fazendo desejar ser outra pessoa.
E aquela tarde eu estava desesperadamente tentando aproveitar a caminhada na rua, em um lugar que eu amo, com uma pessoa que eu amo, e nenhum deles estava me incomodando nada.
Meu terrível verão de inútil procura por emprego tinha acabado anos atrás. Meu desastroso exame de estatística da faculdade, que me despedaçou na época, não estava na minha mente. Ter sido abandonado por uma garota X anos atrás, um momento no qual a vida pareceu estar em colapso, não parecia problemático.
O que estava me consumindo aquele dia eram três preocupações vivas em cima de uma pilha de milhares de preocupações mortas – uma aguda preocupação financeira, incerteza sobre um relacionamento e a perspectiva de voltar para a força de trabalho após um hiato de quatro meses.
Preocupações se contorcem na cabeça como plantas mutantes, dividindo-se em outras preocupações, obscurecendo a luz, sufocando a sabedoria. Elas germinam em um muro de pensamentos negativos, imaginando um cenário horrível o qual você começa a pensar que é a sua vida a partir de agora. Terrível e incontrolável.
É impressionante o quão bom achamos que somos em prever o futuro quando estamos prevendo um sombrio. Do interior da catástrofe, os tempos fáceis parecem ter acabado, ao menos por enquanto, talvez para sempre. Os maiores parecem prontos para matar você de modo que esquecemos que nenhum deles jamais teve tal capacidade, e que a qualquer momento quase todos eles estarão mortos.
A mente humana, na maior parte do tempo, é bastante infantil. Eu quero isso. Eu quero sair daquilo. Eu não quero perder isso. Eu estou com medo daquilo que vai acontecer.
Nós temos flashes de sabedoria, de coibição e aceitação. Mas a maioria das nossas mentes está pilotando as nossas vidas com instruções e crenças bastante simples. Consiga mais do que você quer, pegue menos do que você não quer. A coisa que eu quero é boa, a coisa que eu não quero é ruim.
A vida nos dá muito daquilo que não queremos. Talvez mais disto do que ela dá na outra categoria. Preocupações em desenvolvimento descem à nossa consciência como emoções – pensamentos grandes e pesados que tomam parte do nosso corpo para se estabelecerem. Eles nos apertam no plexo solar¹, ao redor da boca, nas pálpebras. Eles podem enrubescer a pele, aumentar a temperatura do corpo, embrulhar o estômago.
O corpo responde aos pensamentos temerosos como se estivesse esperando perigo físico. Neste momento, o discernimento parece deixar a sala, como experientes frequentadores de bar fazem quando patrões jovens estão começando a ficar desordeiros e desleixados. Então, a parte de reação da mente é deixada sozinha para avaliar coisas, o que ela só faz com pânico e gritos. Ela desce correndo disparando alarmes. As coisas estão muito más! Meu Deus! Isto nunca deveria ter acontecido! A prudência volta apenas quando você para de surtar. Ela simplesmente não pode trabalhar numa mente em pânico. Os desastres empurram a sabedoria para fora quando eles chegam à sua vida. A catástrofe, depois de tudo, não é uma situação, ela é um fenômeno emocional. A mesma situação pode produzir duas experiências completamente diferentes, dependendo se você rolar com o problema ou não.
Eu tive um período difícil, percebendo isto quando eu estava no meio de um, mas eu preciso de cada pequena catástrofe que tive. O presente é sempre a soma de tudo o que aconteceu antes do agora. Sem todos aqueles flagelos, eu não poderia estar aqui. Cada um pareceu a ruína, porém, pouquíssimos ainda povoam a minha mente agora.
Quando você olha para sua vida em escala, o problema típico é o resolvido. Calamidades não resolvidas são exceções raras quando você considera quantas existiram e quantas possuem algum significado hoje.
Sempre foi desta maneira – cada desastre inevitavelmente desistiu de sua posse emocional, exceto aquela fina borda consistente de duas ou três coisas que estão realmente incomodando você neste exato momento. E eles também irão ceder à outra coisa em breve.
Então, talvez minhas questões-du-jour (Francês: do dia) não deveriam me perturbar tanto, sabendo que não sou eu, mas os meus problemas que estão condenados. Eles estão sentenciados a serem deixados para trás assim como todos os seus irmãos mortos.
Reagir a dilemas com um senso de desgraça é altamente condicionado por muitos de nós, porém, o truque é conhecer quando isto está acontecendo e se lembrar de que catástrofes são estados emocionais, não as situações em si. Aquele sentimento de estacar, no que eu vejo como uma rua sem saída, geralmente me faz cometer todas as coisas que deixam a situação ainda pior: ficar furioso, culpar outros, desejar um deus ex machina² para me salvar.
O que eu realmente deveria estar fazendo é garantindo que eu consiga manter o ritmo. Eu deveria entrar em uma catástrofe com a mesma consciência de expectativas positivas de quando eu estava em uma situação agradável. Eu tenho feito isto com dilemas menores e é incrível como funciona. O problema em si mesmo – a incerteza, a possibilidade de dor ou custo, o cenário em si – não desaparece instantaneamente, mas o seu status como um "problema" às vezes se vaporiza na hora em que eu decido que não vou me afligir sobre o assunto.
Antes de alguém citar, sim, Churchill fez uma observação demasiadamente famosa sobre passar por momentos difíceis: "Quando você está atravessando o inferno, continue indo". Mas é um pouco mais do que isto. Você precisa continuar andando de qualquer maneira, não importa o quão triste você está. O tempo fará com que você eventualmente faça alguma coisa. O que é crucial, no seu pequeno passeio através do inferno, é como você caminha. Postura, velocidade, se os seus olhos estão nos seus pés ou no horizonte – isto é o que transforma desastres vivos em mortos rapidamente.
No outro lado de toda desgraça está a parte boa da vida. Esta é uma verdade perpétua. Todas as catástrofes nos levam eventualmente a prazeres, pessoas novas e maravilhosas, e sentimentos de satisfação própria, de modo que podemos reconhecer que entrar em um problema, é a mesma coisa do que entrar em algo bom que está logo ali. Agarrar-se, augurar e culpar somente prolonga a tempestade emocional ao redor da situação, e a parte emocional é a única razão pela qual os problemas são tão dolorosos.
Você estará caminhando pelo resto de sua vida, não importa o que você faça, e depois das milhares de sessões de preocupações sobre como fazer, as coisas acontecerão da maneira certa. É a marcha da pessoa que determina a qualidade de vida dela, não o que ela está atravessando no momento.
Sim, cada um dos meus desastres foi necessário para me trazer até aqui, e o aqui ainda é um lugar extremamente vantajoso, considerando todos os "finais de mundo" que aconteceram comigo. Eu tenho as coisas boas que eu tenho por causa de todos aqueles problemas, não apesar deles. Não existem ruas sem saídas exceto (talvez) morte, e a qualquer momento a única coisa a fazer é passar para o próximo assunto (em Inglês).
Isso é simples o suficiente para entendermos, porém ainda deixa em aberto a questão de como iremos caminhar pelo resto de nossas vidas – se teremos passos hesitantes, ou se nos recusaremos a dar qualquer passo.
A emoção da perdição simplesmente não faz sentido algum. Não existe uma perdição real na vida cotidiana. Nenhuma das suas catástrofes arruinou você. Elas fizeram você. Se você for como eu, quando você vê coisas dando errado, você quer diminuir o ritmo, evitando mover-se para frente por que você não quer que nada mais dê errado.
Porém, desastres são feitos de papel. Você toma uma decisão ou duas, então atravessa eles como se fossem uma inofensiva loja de esquina, e logo eles estão atrás de você, na enorme pilha de mortos e inofensivos problemas que uma vez lhe deixaram doente.
O céu já caiu milhares de vezes.
***
¹O plexo solar, também conhecido como plexo celíaco, é um agrupamento autônomo de células nervosas no corpo humano localizado atrás do estômago e embaixo do diafragma perto do tronco celíaco na cavidade abdominal. (N. do T.)
²Deus ex machina expressão latina que é utilizada para indicar uma solução inesperada, improvável e mirabolante para terminar uma obra de ficção ou drama. (N. do T.)
Foto de Aussiegal.
Esta é uma tradução livre do artigo de David Cain, no Raptitude, realizada por Moisés Boff e revisada por Alexandre Heitor Schmidt.