
Eu acho muito importante esquecer que você existe, e com frequência.
Parece impossível, mas isso pode ser feito.
Aqui está um exercício que eu faço às vezes, para conseguir esta perspectiva:
Onde quer que eu esteja, não importa o local, eu visualizo a situação exatamente como ela seria se eu não estivesse ali. Eu apenas a observo, como se fosse um filme, e as pessoas que aparecem em cena fossem os atores. Ou talvez nem mesmo tenha alguém por perto, e seja somente um canto vazio do mundo compartilhando um momento consigo. Qualquer que seja a cena, tenho a impressão de estar assistindo remotamente, de um cinema distante. Está tudo acontecendo, mas eu não estou lá.
Eu me concentro em absorver os detalhes sobre como a cena é e com o que ela se parece. O tom de voz dos personagens, seus gestos, a sala em volta deles, o som de fundo. Eu posso deixar que a cena seja como ela é sem qualquer apreensão, porque não estou lá, então não tenho como — nem motivos para — impedi-la ou controlá-la, ou mesmo desejar que fosse diferente.
E algo fantástico acontece: todas as minhas preocupações e interesses simplesmente desaparecem. Eu assisto o momento se desdobrar da forma que deseja. Nenhuma parte de mim é aplicada ao momento; ele apenas se torna o que quer que deseje ser e pouco importa o que acontece. O efeito é emocionante e libertador. Parece ser quase um milagre que algo esteja realmente acontecendo. E é sempre, sempre bonito.
Pense nisso como morrer intencionalmente.
Imagine que você acabou de morrer, neste exato momento. Todas as suas responsabilidades, relações, planos e angústias seriam extintas, como se nunca tivessem nem mesmo sido reais, e o mundo seguiria perfeitamente tranquilo sem suas intervenções, exatamente como era antes de você existir. Não é nada pessoal; apenas a pura verdade.
Suas expectativas e angústias nunca importaram do mesmo. Elas apenas pareceram ser tão críticas porque, enquanto você estava vivo, você tinha o traiçoeiro (porém normal) hábito humano de ver as coisas apenas até o ponto em que elas se relacionam aos seus interesses.
É sério, tente isso. Imagine que você morreu, mas ainda pode ver o que acontece ao redor. Você pode até mesmo perambular pela casa ou pela vizinhança desta forma. Subitamente, o espetáculo que acontece é tudo que importa, e como ele pode afetar você não tem relação nenhuma com o andamento da cena, porque não existe você.
Se você conseguir atingir este estado mental de estar completamente ausente — e não é difícil —, você experimentará a ausência de auto-consciência, de preocupações, de angústias, de medo. Apenas coisas acontecendo. Coisas interessantes. Poético e absurdo e cativante, todos ao mesmo tempo.
A sensação de "não estar ali" é de total clareza. Vai ser como se você tivesse descarregado um peso que nunca soube que carregava.
Quando você conseguir perceber este estado, se dará conta do quanto seus pensamentos diários não estão relacionados a o que realmente acontece, mas com o que existe nele para você e o que não existe nele para você. Estes pensamentos são a origem de toda auto-consciência, do medo, da ânsia e sofrimento existencial.
Não existe sofredor, então não existe sofrimento. Curiosamente, a beleza sobrevive.
Você descobrirá que o que acontece ao seu redor é sempre belo e sem dor, se você conseguir assistir sem julgar de acordo com seus interesses pessoais. E isso é fácil de fazer quando você não está lá.
Portanto morra. Frequentemente.

Foto de David Cain.
Esta é uma tradução livre do artigo de David Cain, no Raptitude, realizada por Alexandre Heitor Schmidt, em 28 de Junho de 2014.